COMER
Mário T Cabral, 27 de Julho AD 2014
Certa vez, Madre Teresa de Calcutá foi convidada, por um canal televisivo de Nova York, para aparecer num daqueles programas que passam à hora do pequeno-almoço. Com alguma lógica, os intervalos eram preenchidos com publicidade a comida variada, desde pão de forma a diversos tipos de cereais – tudo, claro está, sem gordura, sem açúcar, sem corantes ou conservantes, sem EEE… enfim, quase sem fermento. Passados uns tantos “breaks”, a Beata, que era muito divertida, como deve ser um santo – para além de ter passado a vida, como é sabido, a tentar arranjar comida que pusesse algo entre a pele e o osso dos mendigos – exclamou: “Estou a ver que Jesus Cristo está a fazer muita falta na televisão.” O dito causou impacto nos States.
A paranoia das dietas entra em contradição com a moda generalizada dos “gourmets”; estes opostos, que é frequente encontrar na mesma pessoa, desmascaram a luxúria e a gula. Se a Madre Teresa visse os programas de culinária que há atualmente! A coisa ainda é mais intrigante quando se sabe que as mulheres que trabalham fora se queixam de não ter tempo para cozinhar. Bulimia e anorexia são doenças que nos embaraçam mais do que a sida; revelam muito deste complexo decadentista, que também atacou o império romano, como vem nos livros e se vê nos filmes de Hollywood.
Ter gosto em comer, que deveria constituir um dos atos mais normais de um ser animal, tornou-se de tal modo aberrante que ficamos embaraçadíssimos com os casos de anorexia e bulimia, mas não nos envergonhamos de chocar a Madre Teresa com aquele tipo de anúncio. Já não se assiste a anedotas sobre homossexuais, de tal modo o lobby conseguiu demonstrar a violência implícita nelas; ou sobre as mulheres-galinhas (“Archie!”)… mais depressa há violência no tratamento do homem, na publicidade. Também não se publicita tabaco ou álcool… mas não nos envergonhamos de chocar a Madre Teresa com aquele tipo de anúncio.
Se pensarmos, então, em comparar as dietas com o jejum religioso, hi, hui, no que é que fomos tocar! Deveriam ser os crentes a ofender-se com esta comparação sem pés nem cabeça! Mas não! Mas não! A maioria dos cristãos nem sequer faz jejum! E qual é o argumento principal dos ateus? A saúde, sempre a saúde: que se deve comer de três em três horas, que não faz bem ficar sem comer tanto tempo e isto e aquilo. Não se pense lá que as dietas não são seguidas pelA dietista, isto tudo é muito científico, o que é que pensas?! Comer de três em três horas! Que graça contaria Madre Teresa a propósito deste preceito? Quanto à ciência… bom, tem dias: acaba de ser descoberto que as pessoas mais gordas safam-se melhor depois dos enfartes… e esta?!
Com a esperança de que a Madre Teresa tenha mais o que ler no Céu do que esta crónica, pensemos na estética, pura e simplesmente. Por incrível que possa parecer, ninguém põe em questão o dogma da santíssima magreza. Todos os valores são relativos, menos o da magreza, menos o de ser sexy! Há aqui ditadura, não há? E, depois, há isto: são muito magrinhas para baixo e inchadas de silicone para cima, que é o contrário do gosto da Mãe Natureza. Parecem fragatas macho em época de cio.
Os cínicos romanos, que viveram numa sociedade muito parecida, comparavam-nos a um tubo com um buraco em cada extremidade e, no centro, um saco de tripas. Jesus Cristo é mais digno ao declarar que nem só de pão vive o homem.
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores, é Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007.
Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.
Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.