Memorandum
João-Luís de Medeiros
—^^^—^^^—
Comunicação Social (seus milhafres & codornizes)
1 – falas antigas com sotaque moderno (*)
Dado que já foram cumpridos os preceitos protocolares deste tipo de convivialidade sócio-cultural, a minha tarefa está facilitada: agradeço o convite da prestimosa Directora Regional das Comunidades, doutora Graça Castanho (personalidade ímpar da equipa politico-administrativa que procura descobrir uma resposta moderna ao desafio açoriano).
Imagino que neste Congresso vamos cuidar de alguns dos remotos e recentes desassossegos acontecidos no ‘mar-morto’ da comunicação social açoriana. Um dos grandes desafios é o de seleccionar os melhores mensageiros do presente para acudir aos desafios do futuro… Fazemos parte da geração que procura sobreviver à superfície deste ‘mar-encapelado’ chamado Internet. Nesta circunstância, atrevo-me a usar a expressão adoptada pelo globalismo linguístico da internet: diria que também me sinto ilhéu-cidadão do mundo, ou seja – I am a “netizen” …
Vim aqui, sobretudo para aprender e para comparar ideias. No exercício do diálogo, a linha recta verbal nem sempre garante o espaço semântico mais curto entre o mensageiro e a mensagem (a não ser que um dos interlocutores tenha sido contemplado pela lotaria da certeza). Salvo seja!
Afinal, merecemos ou não o desafio da sobrevivência? Merecemos ou não a globalização da uniformidade… que nos ensina que o discurso não deve ser maior do que a Ideia…? Vamos prosseguir esta conversa, embora pela rama, porque o meu objectivo não é o de impressionar o distinto auditório aqui presente…
Sabemos que o povo açoriano (mais concretamente o ilhéu micaelense) passou séculos a ouvir o eco magoado do seu próprio silêncio… Ficou registada na sebenta popular, a expressão tipicamente micaelense: ‘se qués falá comigue, tá caláde!’ Felizmente, pouca gente anda satisfeita com a generalidade dos órgãos de comunicação social. Creio que seria vantajoso contrariar a persistente visão geocêntrica dos Açores. A importância do arquipélago açoriano não deveria continuar a ser quantificada pelo mágico valor unilateral outrora conferido pelos Estados Unidos, relativo ao posicionamento geo-estratégico da Região. Por outro lado, continuamos a notar que a comunicação social adora servir de adorno ao album colorido da Autonomia, afastando-se das ‘correntes-de-ar’ geradas pelos projectos (adiados sine die) ligados à Educação cívico-política. Persiste entre nós uma indisfarçável falta de apetite pelo diálogo fluente entre competência e sabedoria; assistimos à demorada confusão entre cidadania e nacionalidade, entre ser ‘imigrante’, ou ser apelidado de ‘residente no estrangeiro’…
Por aquilo que vimos ouvindo nos últimos anos, a Região Açoriana queixa-se de que a ‘saca-das-esmolas’ está vazia. E já agora, seja-me permitido um simples ‘roda-pé’ para relembrar os fundos estruturais aprovados pela Comissão de Bruxelas, no período de 1989-2006 (creio que este tema ainda merece uma ‘olhada’ serena, sem motivações acusatórias de sabor temerário)… Ora, vamos dar uma ‘olhada’ de soslaio às verbas atribuídas aos Açores pelos Quadros Comunitários de Apoio: no período 1989-1993, 357 milhões de euros; no período 1994-1999, os fundos subiram para 752 milhões; já neste século (até 2006), o montante atingiu 854 milhões de euros, ou seja, perto dos 180 milhões de euros por ano…(fim de citação).
2 – Afinal, somos ‘anjos caídos, ou bárbaros redimidos?’
Hoje não é dia para visitar o passado, quando os emigrantes açorianos festejavam o acesso à ‘carta-de-chamada’ que lhes restituia ‘the right not to be hungry’. Vamos ao presente: temos de neutralizar o ‘curto-circuito’ das lamentações para ‘arrumar’ a nossa casa comunitária. Para progredir politicamente, temos ainda de apostar nos melhores indivíduos (mulheres e homens) e não apenas incensar os ‘eternos’ disponíveis, cuja simpática mediocridade já foi diplomada pelos mordomos da sapateia açoriana…
Temos de lutar pelo sagrado direito à Alegria, mas falo d’alegria sem o fúnebre recurso às drogas ilegais; temos de aprender a celebrar a espiritualidade com dispensa do ritual; temos de afinar o diálogo entre a possibilidade e a probabilidade, para serenar a vã glória dos que se consideram alcaides do futuro. Depois da imparável ‘democratização’ do acesso às drogas ilegais, é urgente democratizar o acesso à cultura da Dignidade! A Autonomia (tal como a Honestidade) não é um mero slogan do manual da sensualidade cívico-politica – é um percurso de vida! Os órgãos de comunicação social deveriam ser avenidas com dois sentidos, e não ‘mirantes’ para a ostentação hedonista dos alcaides do passado temeroso do presente…
Não sou jornalista, nem professor, ou enfermeiro da ignorância-alheia. Mas vivo preocupado com o ‘achatamento’ da homogeneização global do jornalismo: a maioria dos seus servidores limita-se ao expediente ‘foto-memorialista’. Desde há anos, venho sugerindo que (para sair do ghetto étnico e garantir a sua aperfeiçoada longevidade) os jornais da comunidade devem apostar no biliguismo. Ora, quando a nossa televisão (depois das contas feitas) chega à conclusão de que é mais rentável insistir no relato das tragédias do que investir no jogo da ‘cabra-cega’ das ideais… ficamos apenas à mercê dos declamadores de noticiários… e não raro somos insultados pelo linguajar do debate ridículo, na idolatria conclusiva: – afinal, quem é o anão mais alto do circo…?
Como nos lembra Mário Mesquita, “muitos jornalistas, cansados da carga ideológica dos anos 70 e 80, concluiram que mais valia a pena assumir realisticamente o contrato com a empresa mediática e esquecer as longínquas obrigações perante a sociedade”. Esta conversa levar-nos-ia à apreciação do perfil do jornalista participante versus jornalista observador. Fica para a próxima…
Creio que seria boa ideia que a RTP/ Internacional apresentasse alguns dos seus programas com legendas na língua do país onde é vista: a ditadura da necessidade ensina-nos que a língua portuguesa pode ser uma valiosa ferramente económica, sem trajes imperiais, sem permanecer indiferente ao pragmatismo da língua inglesa. Vejamos: hoje em dia, 60% da língua inglesa tem a sua origem no alicerce estrangeiro, circunstância que lhe facilita a sua vocação missionária como ‘língua-franca’ da internet.
Nas américas, os imigrantes de origem lusitana andam à volta dos 3 milhões (cerca de 62% da totalidade dos imigrantes portugueses, algures no planeta). Nas últimas três décadas, temos aprendido que, nas sociedades democráticas, não há pecados – há demoras! A RTPi foi inaugurada há 20 anos, mas levou 13 anos para atravessar o Atlântico; na época, a diáspora lusófona ficou dotada de um instrumento com a missão de colorir os conflitos sociais com as tintas ideológicas mais convenientes, sobretudo gizada para projectar os feitos e as ilusões da classe senhorial do canteiro lusitano.
Mesmo à distância, estamos a assistir aos episódios da chamada ‘guerra da pulga’, como aquela acontecida recentemente no tacanho percurso da RTP/Açoriana. Não seria justo responsabilizar a generalidade do povo açoriano pelo atraso de que são vítimas, dado que não
estamos a exibir o manual de culpas. Estamos aqui apenas a decifrar o mapa das rotas possíveis do futuro. Não é novidade lembrar que o capitalismo histérico está a destruir o ser humano, reduzindo-o a simples mercadoria…
Caríssimos Mestres & Colegas: vou interromper esta conversa para escutar os vossos preciosos dizeres. Como certamente notaram, sinto-me deveras perturbado com a imparável mercadorização do talento da juventude – o que considero uma espécie de ‘praga-da-modernidade’ que ameaça desaguar no temível oceano da industrialização dos espíritos…
————–////////—————
(*) Alocução proferida no
Congresso Internacional dos Órgaos de comunicação Social
Toronto, Canada – Junho 12, 2012