Comunidades: memórias vivas do nosso encanto
A ilha Terceira sempre esteve voltada para o mundo. Há vários séculos que vivemos num animoso namoro com o continente norte-americano. Hoje, nos Estados Unidos, possuímos uma amalgama de comunidades que são, acima de tudo, uma extensão e a grande amplitude da ilha Terceira em terras do Novo Mundo.
Não se pode entender o imaginário açoriano e terceirense sem os seus filhos, e os filhos dos seus filhos, no além fronteiras. Falar desta ilha e deste conselho de Angra do Heroísmo, do seu espaço no mundo, é falar-se também daqueles que um dia, por necessidades económicas, motivadas por um outro tempo (que queremos que sempre pertença ao passado) tiveram de abandonar tudo o que lhes era significativo, e, corajosamente, construir nova vida em outras terras. Daí que, tal como seja extremamente laborioso percorrer-se os Estados Unidos sem encontrar-se vestígios da nossa presença neste Novo Mundo, também será impossível encontrar-se um terceirense que não tenha um parente na América. É imperativo que quem na ilha reside tenha a consciência do nosso passado peregrino e dos contributos que a emigração deu a esta ilha e a esta região. Sem a emigração não seriamos o mesmo povo, nem a mesma cultura.
Assim, entenda-se esta ilha e esta cidade património mundial, não só como espaço único que é, privilegiado pela paz que raramente se encontra em outras partes de um planeta cada vez mais competitivo e mais agressivo, mas também como uma cidade e uma ilha que tem uma riquíssima identidade cultural extremamente marcada pelos constantes saltos dos seus filhos para terras a oeste. O imaginário terceirense é extremamente mais rico porque estamos plantados em outros mundos.
Na literatura, na música, nas artes plásticas e cénicas, enfim, em todos os aspetos do mundo artístico, sem o qual não se pode compreender esta ilha lilás, lá estão as referências, as vivências, de gente que, tal como foi dito algures: sabe estar no mundo como se estivesse no seu próprio quintal.
E hoje essas comunidades de homens e mulheres oriundos desta ilha e desta concelho, não são meros espaços de uma saudade sofrida e penada. Esses espaços físicos e culturais, que os emigrantes e os seus descendentes souberam construir, são alongamentos de um povo que sempre soube ajuizar a sua universalidade.
Presentemente, são esses emigrantes e seus descendentes, muitos já de segunda, terceira e até quarta gerações, que podem não falar a nossa língua, mas falam a nossa linguagem e, acima de tudo ainda têm o sangue telúrico desta ilha nas veias, arquitetando em terras americanas as nossas novas comunidades. Estão, como todos queremos mais assimiladas. Porém há que entender, que com comunidades mais americanas, não significa que sejam menos portuguesas, menos terceirenses, menos angrenses. Porque estão cada vez mais integradas, contribuem imenso para os seus respetivos países de acolhimento e simultaneamente coadjuvam para a disseminação dos nossos valores culturais dentro desse mundo. A metamorfose que vivemos nas nossas comunidades é saudável e desejável.
Presentemente, há nas comunidades homens e mulheres que têm contribuído descomunalmente para a sociedade estadunidense. No mundo americano, estão não só os milhares de trabalhadores ordeiros e respeitosos, epítetos preferidos com que outrora nos descreviam, assim como os políticos, os escritores, os professores, os médicos, os pesquisadores, os académicos, os jornalistas, os músicos, os pintores, os advogados, os empresários de sucesso, enfim, uma amalgama de gente que embora a milhares de quilómetros de distância, insiste em viver e sentir Angra do Heroísmo e a ilha Terceira. Gente que cada vez mais, felizmente, também faz, esporadicamente, a sua peregrinação a esta ilha paradisíaca, vivendo a alegria das festas e a hospitalidade dos seus familiares e amigos. Gente que sabe que é importante descobrir e nutrir as suas origens. Gente que, embora à distância, vive e contribui, quotidianamente, para enobrecer sua terra de origem ou a terra dos seus antepassados.
Neste ano em que as Sanjoaninas, com todo o seu brilho e magia, festejam o espirito do emigrante, é importante relembrarmos que as comunidades podem estar fisicamente distantes, mas cultural e afetivamente, mesmo nas segundas e sucessivas gerações, sempre estiveram próximas e comungam dos mesmos valores culturais que nos definem como povo.
•Nota: Este texto foi escrito para as Sanjoaninas de 2015 e que o escritor açoriano que, há muitos anos vive na Califórnia, Diniz Borges partilha com os leitores do Comunidades.