2015.10.04
LAMURIAS D’UM ELEITOR
Muito embora não rufe o tambor,
Nem se ponha a troar o canhão,
Ai que vida a d’um pobre eleitor,
Quando perto vem uma eleição!
Não se sente soar os clarins,
Nem tão pouco rugir a metralha,
Mas vagueiam intrujões galopins,
E se fere renhida batalha!
Não há fumo, nem fogo, nem balas,
Nem há scenas de fera carnagem,
Mas não faltam mentiras nem palas,
Nem proezas de reles coragem!
Não há sangue a correr das feridas,
Não há gritos nem berros crueis,
Mas há pratos de favas cosidas,
E bom vinho a correr dos toneis!
Um aqui se propõe deputado,
Outro ali deputado quer ser,
Cada qual a puxar p’ra seu lado
E mil lerias cantando a valer!
D’esta banda recebe elogios,
D’aquella outra lhe dão pateada;
Aqui diz-se ter tino e ter brios,
Ali diz-se não presta p’ra nada !
Um a patria propõe-se salvar,
Outro quer a nação defender;
Mas em regra (o que cumpre notar)
A mór parte o que quer é comer!
Vê-se em pancas um pobre eleitor,
E mettido no meio de dois fogos,
Sem saber do seu voto dispor,
Tantos são os pedidos e rogos!
Dependente e não q’rendo mal q’renças
E temendo o furor dos mandões,
Põe de parte principios e crenças.
E lá vota c’os taes figurões!
Costa Resende,
Rimas Humoristicas e Satiricas, Edição do autor, Ponta Delgada, 1892.