A TEMPESTADE
De sombras calmosas os Ceus se vestiram,
Sorveu a neblina da lua o fulgor,
As lindas safiras perderam seu brilho,
Usurpa-o das trevas medonho palor.
Trincheiras de nuvens, sombrias, espessas,
Do seio disparam do raio o luzir!
As ondas se encurvam co’o pezo dos ventos,
E vem sobre as praias quaes feras rugir!
Trovões pavorosos lá bramam nos ares!
Derrama a procella terrores a flux!
A leve andorinha perdeu o0 seu ninho
Tão cega e confusa do raio co’a luz!
[…]
A linda Zagala, bem junto à lareira,
Um himno descanta que eleva ao Senhor,
E o pranto inocente lhe ondea o rosto,
Desbota-lhes as rosas da face o pavor.
Palpita-lhe o peito… a voz se lhe some…
Confusa… medrosa se prostra ante a Cruz!
As línguas vorazes do raio flamífero
Lhe ceifam dos olhos a límpida luz!
E os brados de «hossana» ferventes desdobram
Co´os mil estampidos d’envolto lá vão!
Impedem-lhe os voos, decepam-lhe as forças
As vozes fogosas d’horrivel tufão!
Couto Severim,
in Revista dos Açores, vol. 2,
Ponta Delgada, 1853.
Couto (1830-1865) escrivão, poeta, natural de Angra do Heroísmo, viveu na
cidade de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, onde veio a falecer.