Crianças na Diáspora Portuguesa (http://criancasnadiaspora.blogspot.com) é uma ferramenta de trabalho e apoio ao projecto de investigação em antropologia intitulado Infância, migrações e diversidade cultural. Este estudo etnográfico multi-situado está concentrado na comunidade portuguesa na região do Ruhr, Alemanha, onde tenho feito grande parte do trabalho de campo. O objectivo geral é estudar o impacto do processo migratório na vida das crianças, como estas decifram e experimentam constrangimentos e desafios por este desencadeados, e a especificidade da dinâmica que as crianças, por sua vez, imprimem na vida social. A Diáspora Portuguesa, sub-investigada e sub-teorizada na antropologia em Portugal, quando comparada com outros tópicos, tem vindo a atrair alguma atenção. Porém, “o que se faz ainda é pouco“, segundo o professor João Leal (entrevista ao Observatório da Emigração, dez. 2009).
Sobre a vivência das crianças portuguesas e lusodescendentes, e o modo como a sua infância é, ou foi, marcada pela diáspora, sabe-se ainda menos. No âmbito das migrações no espaço europeu, o destaque tem sido dado às crianças deslocadas, desacompanhadas e sem documentos, em risco, com incidência em questões jurídicas relacionadas com direitos, protecção e na circulação de crianças dentro do/para o espaço da EU. As instituições preocupam-se com a educação das crianças e a sua integração na sociedade de acolhimento, mas falta aprofundar o debate sobre os limites entre a integração e a assimilação. Na Alemanha, as atenções voltam-se para as maiorias migrantes e questões relacionadas com o islamismo são as mais frequentes nos media e nos programas governamentais, recebendo também maior atenção na esfera académica. Estudos antropológicos sobre crianças migrantes que caiam fora deste conjunto de situações são raros e o conhecimento que existe e que se divulga é, portanto, influenciado por este bias.
As crianças portuguesas ou lusodescendentes na Alemanha não se encaixam no perfil das que mais atenção recebem neste país e tendem a permanecer praticamente invisíveis. São europeias, caucasianas e pertencentes à maioria religiosa (católicos). Supostamente, falam alemão sem dificuldade, não provocam problemas na ordem pública, estão integradas e não têm dificuldades económicas. Uso propositalmente a palavra “supostamente” pois, de facto, não há investigação suficiente que comprove estas afirmações. O fluxo migratório continua e nem sempre corresponde ao perfil que se divulga actualmente, de que é maioritariamente composto por pessoas com nível académico elevado. Qualquer que seja o caso, há falta de estudos que mergulhem na experiência transnacional destas crianças, que conheça os meandros da negociação identitária e étnica que permeia o seu dia a dia enquanto cidadãs transnacionais, interlocutoras e mediadoras de cultura, e enquanto sujeitos activos na construção da sua própria cidadania. Este estudo antropológico e etnográfico, aberto à interdisciplinaridade, pretende contribuir para superação desta lacuna.
A comunidade portuguesa e luso-descendente dispersa pelo mundo usa a internet, e o recurso às tecnologias modernas de comunicação é transversal a todas as idades. Para dar maior amplitude ao meu estudo e entender a realidade que observo na região do Ruhr tendo como referência o panorama mais abrangente da diáspora portuguesa no mundo, surgiu a ideia de construir o blog. O objectivo inicial era, sobretudo, reunir e partilhar notícias, trabalhos académicos, testemunhos e documentos visuais que revelassem traços desta experiência de vida, em todos os seus contextos históricos, geográficos, políticos e sociais. De facto, é lá que tenho estado a reunir estas diversas informações, mantendo-as disponíveis para mim e para quem se interesse. Este objectivo, porém, desdobrou-se em vários outros. A ligação do blog a redes sociais não só expandiu a divulgação do estudo como também me tem proporcionado o contacto com grupos, associações, instituições académicas e pessoas que à partida não considerava como interlocutores. Mesmo nos eventos e debates que não incidem sobre aspectos ou memórias da infância, há sempre referências à integração, educação, identidade e aspirações da comunidade. Tem sido uma experiência rica e frutuosa, e agradeço a todos aqueles que directa ou indirectamente têm colaborado, mostrado interesse ou manifestado a sua disponibilidade. Em breve, os espaços virtuais de Crianças na Diáspora Portuguesa tornar-se-ão mais interactivos, pois penso incluir pequenos questionários e alguns temas para debate. E, claro, sugestões e comentários serão sempre bem-vindos.
Ângela Nunes
Ângela Nunes é doutorada em Antropologia da Educação (2004), investigadora associada ao CIES/ISCTE e IE/Uminho, e bolseira da FCT/Portugal. Portuguesa, nasceu em Moçambique, onde viveu até à adolescência. Fez os estudos universitários no Brasil e em Portugal, tendo participado em diversos projectos educacionais e científicos em ambos os países. No Brasil, colabora no PINEB/UFBA. As suas investigações têm focalizado as crianças das sociedades indígenas brasileiras e, mais recentemente, as crianças na diáspora portuguesa.