Amoras e amores
Na esquina de um bairro outrora manso e tranqüilo, como Coqueiros, vivem uma amoreira e sua vizinha, a pitangueira. O que haveria de tão extraordinário a justificar o “registro” da existência desses dois arbustos frutíferos?
Ora, a simples constatação de que, em Floripa, ainda existem casas com um quintal. Como naquelas das praias da Saudade e do Meio, em Coqueiros, idos dos anos 1960… – um “concentrado” de pitangueiras e goiabeiras, um canavial intercalado pelo verde dos butiazeiros, um sussurrar de folhas de palmeiras e, claro, a sombra fresca dos coqueirais.
Se, como na “Aquarela” de Ari Barroso, havia “coqueiros dando côco” naqueles lados, esses quintais ficavam nas praias do Continente – com a ponte e seus trilhos de madeira servindo de bucólico caminho para os ônibus em cujo letreiro se lia: Bom Abrigo.
Primeiro, havia Coqueiros e suas prainhas. Depois, o bom e belo Abrigo. A praia em meia-lua, entre o verde crespo das goiabeiras, pontificando, entre a carapinha reluzente de pitangueiras. E havia as pitangas maduras, oferecendo seus “lábios” vermelhos à mordida insaciável dos pirralhos. Descoberta uma árvore das frutinhas vermelhas, zás! A “raça” atacava e comia tudo, não sobrava uma baguinha pra contar a história.
Passei, de carro, pelo quintal dessa casa sobrevivente, residência das pitangueiras. Tive vontade de parar e voltar à infância, atacando o pé. A idéia não durou cinco segundos. Uma buzina histérica repetiu-se à minha retaguarda e voltei ao mundo dos vivos. Estava numa fila de automóveis e, nas imediações, não havia a menor hipótese de estacionamento. Fazer o quê? Tirar o pé do freio e seguir a vida.
***
Certa noite, adolescente em Coqueiros, inebriei-me em caipiroscas, enquanto a atmosfera se impregnava dos sons rebeldes da época – os Beatles, sim, antes de “Sargent’s Pepper Lonely Hearts Band”. A vida era doce – apesar do sal que se desprendia de “Vidas Amargas”, James Dean no inesquecível filme de Elia Kazan – que deu som e imagem a um extraordinário John Steinbeck (“East of Eden”).
Para celebrar os sons e os cheiros da Praia do Meio, havia a prosa de Othon Gama D’Eça, na aquarela de “Homens e Algas”:
– Janelas besuntadas de azul, com uma data no alto, ranchos esguios, baixos, cobertos de telhas salitradas – e canoas que recendiam a algas e tintas frescas.
Gostaria de reviver esse tempo, debaixo dos coqueirais.
Entre pitangas, amoras e amores.