Cidades e prefeitos
Candidatos a prefeito começam a discutir a cidade com a ligeireza dos que desfraldam a habitual flâmula eleitoral. Ser prefeito, hoje em dia, exige muito mais do que os tempos em que bastava recolher o lixo e plantar dois gabinetes odontológicos nos bairros em que o candidato foi bem votado.
Ser prefeito requer o preparo de uma quase científica macrovisão sobre a cidade, seus desafios urbanos e de mobilidade, suas finanças, sua saúde, educação e segurança Há 40 anos o Brasil ainda era um país rural. Hoje, 90% vivem nas cidades. E elas se transformaram num labirinto de conflitos e disputas, armadilhas para emboscar o ser humano. Na prática do dia a dia, a cidade moderna vai perdendo o seu significado institucional. Avança sobre todos os solos e tornou-se vítima de outras atividades sinistras, como o furto, o roubo, o assassinato, a vida que se perde no meio dos engarrafamentos.
Eça de Queirós não gostava das cidades, como deixou claro no seu libelo contra essa “criação antinatural”, em “A Cidade e as Serras”. Na comparação entre as duas “selvas”, a verde e a de pedra, o monóculo do escritor só tinha olhos para a primeira. “Na cidade – lamentou – todos repetem servilmente o mesmo edifício, a mesma indiferença ou inquietação”.
Dizem os pragmáticos que esse hábito de condenar as cidades e enaltecer a natureza é apenas “uma licença para a poesia”, uma chispa para o gênio criador do homem romântico. A cidade é a “realidade” – que a maioria das pessoas acha “um Inferno”, embora recuse o Paraíso do meio do mato.
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Sempre que se deixou subjugar pela cidade, o homem perdeu o melhor dos seus dons – a capacidade de continuar humano, como lamentou Eça, contemplando as vinhas da Serra da Estrela:
– Os sentimentos mais genuinamente humanos se degeneram nas cidades. Nelas, os rostos humanos nunca se olham.
A capital dos catarinenses ainda não perdeu a paisagem humanista e detém o privilégio de se hospedar numa ilha, onde a mata atlântica está preservada e onde a natureza ainda se revela um colírio para os olhos. Governá-la, hoje, exige mais do que carinho. Requer superlativa competência numa arte de má fama no Brasil de hoje: a administração pública.
Aquele que tiver o melhor projeto, apresente-o, com um imprescindível selo de honestidade.
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