Clareai
Neste país tão sofrido a vida foi tingida de negro, como o xale de uma viúva siciliana.
Tanta mazela social e tanta fuligem político-institucional sublinham os versos do poeta Vinicius de Moraes sobre a sua pátria – “pátria minha, coitadinha, tão pobrinha”. Se é que a oitava economia do mundo possa ser “pobrinha”. Mas os seus valores morais certamente não andam em alta.
Versejou o poeta: “A minha pátria não é florão/ Nem ostenta lábaro não/ A minha pátria é desolação de caminhos/É terra sedenta e praia branca/ A minha pátria é o grande rio secular/ Que come terra, bebe nuvem e urina mar…”
Principalmente come nuvem. A mutante nuvem da política, que deveria mudar o país para melhor. Mas essa nuvem surge sempre carregada, conflagrada por medonhas discórdias e por espíritos malsãos, que só pensam em conjugar o verbo “ter”, pronunciado na primeira pessoa.
Algumas togas do Judiciário tem honrado o papel moderador que a história reserva ao poder – e têm produzido sentenças moralizantes. Mas o Legislativo vive uma perigosa Torre de Babel, com seus 35 partidos políticos. Já o Executivo vive na constrangedora inércia de tentar evitar um “impeachment”. Desesperançados, os brasileiros só concordam em discordar. O que significa dizer que Gonçalves Dias jamais voltaria a compor aquele famoso verso de saudade – cujo “estribilho” diz:
“Os pássaros que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”…
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Aliás, se alguma ave ainda aqui gorjeia é para cantar as suas lamentações. As manchetes do jornais sugerem uma atmosfera de “day after”, de desolação típica de um país atormentado: onde está o “homo cordialis”, de quem se dizia ser protótipo o homem brasileiro?
Será que nada, nem ninguém, nem mesmo Deus conseguirá sofrear a equitação da besta apocalíptica que cavalga o povo brasileiro, subjugando-o e escravizando-o, debaixo de impostos e escândalos?
Triste circunstância atormenta o país: o governo é muito ruim; a oposição não é melhor. E o que dizer dos “representantes do povo” que articulam “pautas-bombas” para desorganizar e desmontar a economia – tudo para que alguns “fulanos” se beneficiem do caos?
Resta acender uma vela a Santa Bárbara, com o apelo que se deve confiar à santa domadora de tempestades:
– Santa Clara, clareai!…
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Nota: Sérgio da Costa Ramos,jornalista e escritor. É membro da Academia Catarinense de Letras.
Com página de Crônicas no Diário Catarinense, é um dos mais festejados cronistas da Ilha com dezenas de livros publicados.
Ilhéu, com origens familiares na Ilha Terceira,"com muito orgulho",como gosta de dizer.