INÚTIL
Por Marco Vasques
Sim. Sempre acontecem estes encontros inúteis. Uma dor que se avizinha no lado direito do corpo. Levantar não é possível. O corpo pede um silêncio, um escuro para apagar a carne e esconder a tristeza. Nada se torna razoável. Sim. O mundo está aí. Tudo está dado. As coisas são constituídas desta aparente normalidade. Não. Não é possível que se esteja assim, tão desesperado de solidões. Tão nada. A prática do abandono sempre na esquina, sempre adentrando o olhar. O corpo não querendo mais responder. Sim e não. Tudo resumido em negativas e afirmações.
Só. O dia está bonito, diz a colega do outro lado da mesa. Chora sobre o dia. Não há beleza nesta deambulação perdida. Inútil se debater nos finais de tarde. Sempre se encontra um motivo e se segue, mesmo com o gosto amargo da morte na boca. Desejo de nada. Gargalhadas estrangeiras tomam o silêncio da casa. Nenhuma parede branca é só uma parede branca. Fantasmas fixados na imaginação é todo o seu cinema privado.
É preciso inventar para não morrer. Foi a última palavra que disse para um grupo pequeno de pessoas. Alguns que se dignaram a ouvir suas desgraças, suas pequenezas. Depois disso, Bernardino pegou a mala com duas peças de roupas e seus três livros de poemas prediletos. Fez um breve movimento com a cabeça e seguiu estrada adentro. Não olhou para trás, porque sentia que poderia titubear e retornar à fixidez de sua morada. Tinha uma vida aparentemente gloriosa. Sucesso acadêmico. Algum respeito por conta de uns livros de poemas mal escritos. Depois de alcançar alguma glória profissional e angariar um bom número de inimigos, entendeu que precisava se ausentar. A vida não era mais a vida.
Sumiu na paisagem como se fosse o que sempre desejou ser: um homem solto. Livre não, pois já não tinha mais a ingenuidade da liberdade. Solto sim. Começa o seu jogo de dados com os dias. Sem horários, visitas, amigos, familiares, emprego, filhos, amores fixos, encontros literários com intelectuais bêbados e raivosos, festinhas falsas em galerias, enfim, abandonou-se de preocupações e se afastou de um bando de gente esnobe que o atormentava.
Passou a dormir com mendigos, jogar baralho e dominó com velhos desconhecidos, tomar cachaça barata com putas mais baratas ainda; cometeu alguns pequenos delitos, foi espancando umas quatro vezes por policias, dormiu com travestis, ou seja, entrou na zona de leis próprias, sempre mutáveis. Bernardino se aproximou do submundo. Todo dia convivia com pessoas sem nome, rosto, cor, casa, cheiro. Bernardino, agora, chora sob a escuridão noturna.
Marco Vasquez, é escritor. Catarinense, de Imbituba. Assina uma coluna de crônicas no Jornal Notícias do Dia.