Refresco, Cruz, Coqueiros
– Sérgio da Costa Ramos –
O vento sul foi bem-vindo, arejou a Ilha e regou as plantas, além de trazer a abençoada “gemente sentinela” para a vidraçaria de nossas janelas, assobiando versos de Cruz e Sousa:
Tu que vens lá de tão longe
Com o teu bordão das jornadas
Rezando pelas estradas
Sombrias rezas de monge.
Mas o calorão voltou e com ele o sol, a necessidade de se chegar a uma praia próxima, como a Coqueiros de antigamente. Vejo-me a bordo de um Gostosão, aqueles ônibus de frente embutida e motor “pra dentro”, que faziam ponto ali no Largo da Alfândega, ao lado das Casas Yolanda e da Sorveteria do Pedro.
Ou seja, a Floripa dos anos 1950. Tempo em que mar e Ilha copulavam no Centro Histórico, ondas trazendo em seu dorso as canoas coloridas de nome açoriano, ancoradas no cais do Mercado.
Pente atravessado no short, cabelo fixado à Gumex, a rapaziada da Ilha seguia para o remanso continental, em busca da “nudez insinuada” pelos novos maiôs colantes de látex.
Cruzar a ponte já era uma “viagi”. A vida era doce, apesar do Cine Ritz estar levando “Vidas Amargas”, com o rebelde James Dean, adaptação de Elia Kazan ao magnífico “East of Eden”, de John Steinbeck. Aliás, um realista tão fiel às paisagens e aos tipos humanos quanto o Othon Gama D’Eça de “Homens e Algas”.
É possível rever a praia daqueles tempos, só relendo Gama D’Eça, descrevendo a paisagem continental, o vento sul, os tipos humanos:
– Apenas sobre a linha azulada da barra há nuvens cinzentas, túrgidas e pressagas; e uns tênues frangalhos de nevoeiros sobre a giba do Cambirela, e, mais abaixo, pousados no corpo enorme do Gigante, indicando vento sul para a tarde…
Dou uma volta no tempo, a bordo desse vento sul literário, embarco no ônibus Gostosão daquele passado, salto bem em frente à igrejinha de Coqueiros, prelibando a manhã de sol e mar no Praia Clube.
Sinto no peito esse graveto fumegante, reencontro as Praias da Saudade e do Meio, com suas pitangueiras e goiabeiras baixando o dorso para deixar passar o vento.
Releio Othon D’Eça e nele reconheço o meu chão, descrito em “Itaguaçu”:
Em terra, entre gramas e flores perenes, casinhas de pescadores, algumas de janelas besuntadas de azul, com uma data no alto; e ranchos esguios, baixos, cobertos de telhas salitradas e onde há canoas que cheiram a algas e a tintas frescas
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