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Este conteúdo fez parte do "Blogue Comunidades", que se encontra descontinuado. A publicação é da responsabilidade dos seus autores.
Imagem de Crônicas:  ” Evocação ” e “Vento”–
      Tributo a Daniel de Sá
Comunidades 28 mai, 2015, 00:41

Crônicas: ” Evocação ” e “Vento”– Tributo a Daniel de Sá


     Evocação

De outros tempos, temos a poesia que ficou das coisas que passaram. O que foi mau esquece-se por já não ser, o que foi bom transfigura-se por já não poder ser.
A mãe que fechava, bem fechadas, as janelas do quarto térreo para que o Sol não denunciasse um novo dia e os filhos continuassem deitados, assim lhes enganando com o sono a fome, porque em casa não havia o que comer; a tísica que se mirrava, hálito com hálito da irmã, que lhe despia a camisa suada por agonia e fraqueza, trocando-a pela sua, enxuta, e colando sobre o seu corpo são o suor de enferma da quase moribunda; o “canto” dos homens a preço de desbarato, a dor, a fome, a miséria, toda a desumana condição humana…
Mas a alegria também! Talvez como rito de afugentar fantasmas, talvez como um esforço para despertar de um sonho dormido entre maus sonhos. Ou talvez que a alegria existisse por si mesma, como acto necessário, como razão suficiente.
A luz, como era diferente a luz! Doía, de bela, a cor dos cravos, das sécias, das despedidas-de-verão; era uma orgia saudável o cheiro da malva-rosa, da erva-luísa, da hortelã do quintal-jardim da minha tia Ermelinda.
O Sol a queimar, a queimar sempre, avolumando os frutos, anunciando a ceifa, num prenúncio de fartura que se cumpria em vinhas e pomares, hortas e searas.
A alegria simples de viver. O prazer de estar vivo. Um “haja saúde” que bastava como desejo e cumprimento. “Saúde e a graça de Deus.” Tudo o mais tinha o sabor inesperado das coisas supérfluas.
E as crianças, brilhando ao Sol (ah! Se Renoir as pintara!…), vigiavam nas longas tardes grandes capachos de trigo, para que as outras o não mascassem como “gama”, para que as galinhas o não comessem. Ou vendiam, por esquinas e travessas, a troco de botões – as “marcas” – os “chupos”, flores da conteira (Hedichium gardnerianum), enquanto a vida vivia.

Daniel de Sá

_____________________________________________

       
VENTO

Como eram pobres os pobres naquele tempo! Havia os que nunca se deitavam com fome nem dormiam com frio, e os que muitas vezes não tinham pão para a ceia e vestiam chita e caqui mesmo no Inverno.
Em Santana existiam três fontes: uma perto do poço da ribeira onde as mulheres lavavam a roupa, outra no meio do povoado e uma terceira lá mais para baixo, onde a ribeira começava a despedir-se da gente para completar a viagem até aos Cabrestantes.
Íamos buscar água a qualquer das duas primeiras fontes, porque a distância era a mesma, embora para a que ficava no meio de Santana não fosse preciso saltar quatro ou cinco muros. E era nela que havia o bebedoiro para o gado. A nossa mula era teimosa como sói dizer-se da espécie, dava sempre dois pares de coices no ar quando a montávamos, mas depois obedecia mansamente. E não precisava de ser conduzida até à água, porque ia beber por sua própria conta sem demorar mais que o necessário nalgum tufo de erva inesperado e raro. Mas, se a distância não era muita, o peso da água a chocalhar nos baldes parecia torná-la longa, longa, porque as forças estavam ainda longe de ser de braços adultos e fortes.

     Crônicas:  " Evocação " e "Vento"--
      Tributo a Daniel de Sá

Ricardo de Mesquita, brasileiro da ilha de Santa Catarina, imaginou o vento sul, visitante habitual de Florianópolis, a falar assim: “Acho que vou ficar mais um pouco aqui. Talvez arme um redemoinho para encontrar, na esquina do Trajano, as meninas do colégio Coração de Jesus. Saias plissadas, rodadas, que sempre levanto ao passar. Algumas gostam. Disfarçam, mas gostam… // Os garotos que ficam encostados na outra esquina, a de Jerónimo Coelho, // aplaudem minha passagem. Enfim, alguém gosta de mim!” Vem num livro que reúne as crónicas premiadas no concurso Franklin Cascaes, e ofereceu-mo a Lélia Nunes, também ela vagamente insular, porque descende de açorianos de há dois séculos e meio e Santa Catarina está à distância de uma ponte do continente.
O padre Artur queria fazer de cada um de nós um santo à sua imagem e semelhança. Certa vez pregou muito magoado contra as fotografias de bailarinas quase nuas no Carnaval do Rio, mostradas na revista “O Cruzeiro” a páginas meias com imagens de Cristo derramando sangue por causa dos nossos pecados. E, quando havia documentários, ou mesmo algum filme de longa metragem no Atlântida Cine, para os alunos da catequese, ele ficava na cabina de projecção pronto a fazer censura “ad hoc”, tapando com a mão a lente logo que aparecessem umas pernas femininas com vista acima do joelho. Mas nada podia contra o vento…
É juntando tudo isto que fui dizendo, como conversa da tua avó Maria do Carmo, sem fio aparente mas a fazer sentido lá mais para o final, que chego aonde queria chegar.
Mas espera… ouve, meu Amor… Este vento hoje está frio. E eu na fonte, atrás dela, à espera de que acabe de encher a lata. Não lhe sei o nome nem lhe lembro a cara. Mas veste roupa leve, saia talvez de chita, que usou no Verão e há-de usar no Inverno entre uma barrela e outra. Mora mesmo ali ao lado, não tem de ir longe por água. O vento é frio mas bonançoso. E, de repente, dá-lhe na gana um sopro mais forte. Levanta a saia dela até à cintura. As suas mãos, em aflição, não acodem a tempo de impedir que fique à mostra, por instantes, a nudez absoluta por debaixo da saia. Dá meia volta, envergonhada, e foge a correr para casa, deixando a lata na fonte.
Não era uma bailarina daquelas que o padre Artur transformava em sombra. Não era uma sambista carioca que quase se despia por vontade própria no calor tropical. Era uma rapariguinha a quem a roupa escondia mal a sua intimidade, e quase nada protegia do frio que vinha no vento. Se fosse pintor, faria dessa imagem fugaz um quadro sobre a pobreza. Sinto-me triste, neste hoje de há muitos anos e neste hoje de quando escrevo. Estou tão triste na fonte, a encher o meu balde, como ela na sua vergonha.

de Daniel de Sá

(Nota: Crônica dedicada à "Calie" (anagrama de Alice), o amor de sua vida.Pretendia escrever um livro de Memórias e  contar  a sua trajetória até Maria Alice. Deixou-nos,entretanto,um belíssimo livro de poemas As Rosas de Granada (2011) escrito para a Maria Alice, sua mulher.
Não resisto e reproduzo o lindo poema "A minha amada" (2011:39), a expressão do seu Amor:

Os seios da minha amada são como duas maçãs maduras;
O seu cabelo tem perfume de alfazema;
Os seus lábios são da cor do açafrão
E a sua boca tem o sabor do damasco;
Os seus olhos são como pedras preciosas
E as sua pele como o oiro da mesquita de Add-Al-Rahman.

A visão da minha amada é a minha alegria;
As formas do seu corpo, a minha delícia;
O seu amor, a minha felicidade.

Nada é comparável à minha amada.

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