Cultura Partilhada é Cultura Viva
A beleza da América é o multiculturalismo. Este manancial de raças, culturas, etnicidades, costumes, credos e gastronomia, são o verdadeiro património deste país. A trajetória para as nossas comunidades de origem portuguesa nos EUA, e em particular neste multiculturalíssimo estado que é a Califórnia, deve ser a de nos inserirmos nesse mundo que é o nosso e mais ainda das novas gerações. Na sexta-feira, 9 de Outubro de 2015, as escolas secundárias de Tulare culminaram uma semana cultural dedicada aos Açores, durante a qual todos os mais cinco mil alunos das 3 secundárias de Tulare foram expostos, através dos boletins das escolas, a dados sobre a geografia, os costumes e a gastronomia dos Acores. E diga-se que esta semana, e toda a amalgama de eventos dentro e fora das aulas de língua e cultura portuguesas, foi realizada sem apoios do outro lado do Rio Atlântico (termo de um livro de Onesimo Almeida).
Cada dia foi dedicado a uma ilha diferente. Cada dia falou-se dos Açores. Porém, o dia mais marcante foi obviamente a sexta-feira, 9 de Outubro. Há 19 anos que promovemos este Festival Cultural. Primeiramente aconteceu como parte integrante do simpósio literário Filamentos da Herança Atlântica que marcou a cidade de Tulare, ou pelo menos a tornou conhecida e parte do mundo literário português e em particular açoriano. Mais tarde o Festival foi feito, durante dois anos, em colaboração com o sector de jovens do CPEC, na sexta-feira antecedente ao célebre jantar dos Jovens, quando este agora extinto sector do Centro Português de Evangelização e Cultura de Tulare era dirigido pelo casal Frank e Lisa Garcia. Nos últimos 12 anos tem sido um acontecimento promovido pela associação estudantil SOPAS, com o apoio do TDES, do Clube Cabrillo do Condado de Tulare e esporadicamente com alguns apoios dos Açores ou da FLAD.
Na sua edição de 2015, participaram cerca de 260 dos 400 alunos que estão inscritos nos cursos de língua e cultura portuguesas. Como convidadas para fazerem apresentações aos alunos tivemos duas jovens: Sara Rodrigues, que é diretora e funcionária na Luso-America Education Foundation e Mariana Raposo que é aluna no décimo-segundo ano da escola Tulare Union e que acaba de imigrar para os EUA, vinda com os seus pais dos Açores, há 4 meses. A Sara dissertou sobre a Luso-America e os seus múltiplos programas para a nossa juventude, incluindo o campo de férias e a Mariana fez uma apresentação sobre o ensino nos Açores e as diferenças entre o sistema escolar português e americano. Houve espaço para musica, para uma competição de cantigas populares e uma apresentação pela aluna Peyton “Maria” Woodward sobre a história das bandeiras no mundo, culminando com os alunos a desenharem a sua própria bandeira com elementos da sua etnicidade e dos seus usos e costumes.
Os alunos de Português 4 e 5, o curso mais avançado das escolas secundárias de Tulare, fizeram uma apresentação com 5 modas do folclore dos Açores, incluindo modas da Terceira, S. Miguel e Pico. Após a apresentação os alunos de Português 4 e 5, turma que tem 44 alunos, ensinaram duas das cinco modas aos restantes 220 alunos participantes. Foi extramente gratificante ver alunos de vários grupos étnicos não só a aprenderem, mas a ensinarem modas dos Açores. É que a aula de Portugu6es 4 e 5 tem alunos não só de origem portuguesa, mas alunos com origens em outros países europeus, assim como de origem nativo-americano, afro-americano e hispânicos. Daí que seja compensador, e diria mesmo marcante ver alunos de outras culturas abraçarem a cultura portuguesa e entusiasmados em não só participarem, mas também a ensinarem aos seus colegas. É verdade alunos de outras etnicidades e culturas ensinando aos netos e bisnetos de portugueses a riqueza das nossas tradições.
O dia escolar, dedicado a este décimo-nono festival terminou com a presença da cantora Emily que mais uma vez cativou os jovens. Os alunos adoram-na, e com razão. Há nove anos que a Emily tira um dia do seu emprego para estar com os jovens dos cursos de português. Fá-lo gratuitamente. Fá-lo com entusiasmo e dedicação. Este espírito não é, infelizmente, muito comum nas nossas comunidades. Particularmente porque coletivamente ainda não aprendemos o valor dos cursos de língua e cultura portuguesas nas escolas americanas.
Durante um dia, no salão do TDES, desconhecido para alguns dos alunos dos nossos cursos, vive-se elementos da nossa cultura popular com apresentações, atividades lúdicas, danças tradicionais, a nossa gastronomia e a nossa música. É um “labor of love” como se diz em inglês. Com o apoio imprescindível de alguns pais. É a trajetória certa para se passar o nosso legado cultural, para o disseminar nas futuras gerações, no mundo americano. As culturas são têm sentido quando são vividas e partilhadas, quando interligam a outras culturas e tradições. Fez isso em Tulare no dia 9 de Outubro.
Como aqui já o escrevi quase ad nauseam, as culturas não sobrevivem em exclusividade. A nossa herança cultural não é exceção. É imperativo que a incluamos no mundo americano, que ela seja vivida todos os dias pelos jovens e adultos de todas a heranças culturais que constituem o mundo americano. Mais, é tempo de abdicarmos dos grupinhos que constituímos porque nos dão prazer momentâneo mas em nada enriquecem o nosso património ou o levam aos patamares que precisamos alcançar caso queiramos que o nosso legado faça parte do património cultural deste grande país.
Atrevo-me a afirmar que não são muitos os dias em que nas nossas comunidades de origem portuguesa na Califórnia, temos quase três centenas de jovens aprendendo e vivendo elementos da nossa cultura açoriana e portuguesa num salão português. Ouso assegurar que a diversidade cultural é um dos elementos fulcrais do caracter americano e que nós só faremos parte desse caracter se conseguirmos ter a nossa presença cultural no quotidiano deste país, começando pelas escolas. É o que se tenta fazer em Tulare. Com muito trabalho, desafiando alguns velhos do restelo, engolindo algumas barbaridades ditas pelas bocas de imbecis e maldosos, desmistificando muitos tabus, ultrapassado algumas barreiras e derrubando alguma xenofobia. Mas o importante é que se faz! Que se celebra e vive a cultura açoriana e portuguesa com todos quantos compõem o mosaico estadunidense.
Nota: 1. Diniz Borges, professor e escritor açoriano natural da Praia Vitória, Ilha Terceira. Vive em Tulare (Caifórnia) onde é uma das mais expoentes vozes da comunidade lusa na América.
2. O artigo acima publicado é de outubro de 2015. Seu conteúdo é extremamente atual e retrata o trabalho desenvolvido nas comunidades portuguesas da Califórnia na partilha da cultura açoriana e sua sobrevivencia integrada ao universo da sociedade americana como parte do Patrimônio Cultural dos Estados Unidos.
Diniz Borges, o professor, o cônsul honorário o grande líder comunitário tem feito desse partilhar contínuo da Cultura Viva a sua missão de vida.