Por essa terra que não era tua
deste generoso o teu sangue
E deste-lhe, ó semente de mundos,
os teus filhos.
Pedro da Silveira, poeta (1922-2003)
Aproximando Mundos-Espaços Insulares, foi uma conferência que a FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento) promoveu recentemente nos Açores, evento que foi apoiado por várias entidades, incluindo a Direcção Regional das Comunidades. Foi um Pensar as Ilhas, como escreveu a socióloga brasileira de ascendência açoriana, Lélia Pereira Nunes, que assistiu ao evento, e que escreveu uma excelente crónica sobre o evento, publicada em vários jornais e revistas da diáspora. No quotidiano de hoje, como é necessário, urgente mesmo, parar e cogitar. E se foi interessante Pensar as Ilhas, não seria menos interessante reflectirmos as nossas comunidades. É que bem precisamos disso nas nossas comunidades açorianas, particularmente nas da Califórnia. Há que, Pensar as Comunidades.
Aqui na Califórnia, onde vivem muitos americanos de origem açoriana, as nossas comunidades, como já se disse tantas vezes, vivem uma metamorfose, que não é única e a qual passou por outras comunidades étnicas aqui nos Estados Unidos. Desde a grande onda emigratória do século vinte dos Açores para a América do Norte, nomeadamente nas décadas de 1960-70, que a emigração dos Açores, para este estado norte-americano, estancou. Já quando aconteceu o terrível sismo na Terceira, S. Jorge e Graciosa, a 1 de Janeiro de 1980, estava eu na rádio em língua portuguesa da Califórnia com um programa que se chamava A Voz do Emigrante Português, e falava-se que iríamos ter uma nova avalanche de emigrantes. É que, tradicionalmente, quando havia uma crise sísmica os açorianos, sempre que tinham oportunidade, emigravam. Mas desta feita, não aconteceu! Vieram algumas famílias, mas foram poucas. É que apesar do processo autonómico estar a dar então os seus primeiros passos, os açorianos sabiam que a sua terra estava a mudar e que haviam outras oportunidades de reconstruírem as suas casas e as suas vidas. Já se sabia nos Açores no começo da década de 1980 que a emigração não era uma solução colectiva para o povo açoriano, porque pontualmente, como se sabe, continua-se a sair dos Açores, e nos últimos anos, por aquilo que se pode verificar nas comunidades, tem-se registado algumas pequenas ondas de emigrantes clandestinos. Já que emigrar-se legalmente, com as novas restrições nos EUA e no Canadá, é, como se sabe, um projecto de décadas. E ainda bem que os Açores já não são, como escreveu algures Katerine Vaz num dos seus contos: um lugar onde se cresce para sair.
Foi então, nesse agora longínquo ano de 1980, que se começou a conferir que com o estagnar da emigração as comunidades seriam diferentes. As décadas de 1980 e 1990, entretanto motivadas ainda pela onda emigratória dos 20 anos que se antecederam, viram o aparecimento de novas instituições e duma dinâmica extremamente interessante nas comunidades portuguesas da Califórnia. Aconteceu uma amalgama de eventos e foram criadas algumas organizações mais viradas para a cultura, a maioria, como é óbvio, para a cultura popular. Até mesmo no seio da cultura mais erudita registaram-se acontecimentos únicos, como simpósios e colóquios de grande qualidade. Foram também nesses anos que floresceram muitos dos cursos de língua e cultura portuguesas, desde as escolas comunitárias, produto dessas duas décadas, aos cursos no ensino secundário e alguns no ensino universitário.
Mas tudo isto mudou, ou está a mudar. Daí que é imprescindível pensar-se as comunidades. É imperativo que se encontre um fórum onde aqueles que estão interessados na passagem do nosso legado cultural se sentem, conversem, debatem, concordem e discordem sobre a transformação que se vive nas nossas comunidades. Há que se falar sobre as nossas vivências culturais; a nossa comunicação social; a nossa presença (ou falta dela) no mainstream americano; o interesse e o desinteresse das novas gerações; os cursos (ou a falta deles) de língua e cultura portuguesas no ensino oficial americano, a passagem do nosso legado cultural e de traços importantes da nossa identidade açor-americana, entre outros temas pertinentes. Um fórum sem tabus e em que tudo possa ser debatido, continuamente.
Mais, há ainda que descobrir os pequenos milagres que algumas comunidades ainda fazem e há que aprender com esses projectos. Acima de tudo há que aceitarmos esta metamorfose. É que, infelizmente, o que constatamos em vários sectores das nossas comunidades, particularmente no estado da Califórnia, é a relutância da aceitação, ou seja: as mudanças estão aí, mesmo à nossa frente, muitas vezes nas nossas próprias famílias, mas não as queremos reconhecer. Fazemos o que fazíamos há 20 anos, sabendo de antemão que a comunidade já não é a mesma. Continuamos à espera dum tal D. Sebastião comunitário.
Nas comunidades da Califórnia continuamos muito virados para um tempo que já foi, e que não volta. Tal como escreveu o poeta Urbino San-Payo há quase trinta anos: “dum saco tiramos saudades. No outro as afogamos. Um jogo que nunca mais acaba e que nos rói até aos ossos.” Vamos pois, Pensar as Comunidades, para que as vivências saudosistas que os nossos filhos e netos já não compreendem, e ainda bem, não acabem por roer aquilo que ainda chamamos: comunidades.
Diniz Borges
Julho de 2008