Da Luso-Americanidade Sem Fronteiras
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Vamberto Freitas
A volumosa antologia Luso-American Literature: Writings by Portuguese-Speaking Authors in North America acabada de sair na prestigiada editora Rutgers University Press, organizada pelos professores Robert Henry Moser (University of Georgia) e Antonio Luciano de Andrade Tosta (University of Illinois, Urbana-Champaign), constitui um acto literário singular entre nós, audaz e absolutamente original na sua expansividade temática e nacional, indicando assim novas pistas etno-literárias, juntando as mais díspares vozes nas línguas portuguesa e inglesa, todos quanto na América do Norte têm ou tiveram a lusofonia como referencial histórico em três continentes e nos arquipélagos dos Açores e Cabo Verde. Com efeito, trata-se de um trabalho sem antecedentes nos estudos diaspóricos lusos, juntando textos que vão do ensaio e crónica à ficção e poesia. Dividida em três grandes secções, abre com os luso-americanos e imigrantes, seguindo com os brasileiros e encerrando com os cabo-verdianos. Todos os textos, uma vez mais, estão escritos ou traduzidos aqui para a língua inglesa, sendo o público leitor a quem se dirige este trabalho aqueles que nada ou pouco conhecem deste outro mundo escondido no grande mosaico literário e cultural daquele país. No que toca à primeira secção, “Luso-American Literature”, estão incluídos praticamente todos os nomes já conhecidos nos nossos meios transatlânticos, desde Katherine Vaz e Frank X. Gaspar e George Monteiro (que também assina o intróito à antologia) a Francisco Cota Fagundes, Onésimo T. Almeida, José Francisco Costa, Eduardo Bettencourt Pinto e Álamo Oliveira. No caso do Brasil, “Brazilian Voices”, temos alguns dos nomes mais famosos ou reconhecidos na literatura canónica do maior país de língua portuguesa, desde Erico Veríssimo, Monteiro Lobato, Moacyr Scliar e Luís Fernando Veríssimo a Gilberto Freyre, Robert DaMatta e o ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, autores que passaram ou viajaram pela América do Norte deixando em diversas obras as suas impressões e vivências. De resto, a escrita da experiência imigrante brasileira está ricamente preenchida com nomes de outros escritores e poetas que escrevem em português e inglês (estes reunidos numa subsecção deliciosamente intitulada “Brazuca and Beyond”), pouco conhecidos mas de qualidade e relevância inquestionáveis. De Cabo Verde, “Cape Verdean Voices”, temos igualmente alguns nomes mais conhecidos do que outros, desde o poeta Jorge Barbosa a outros como Viriato Gonçalves e Donaldo P. Macedo.
Poderão ter ficado de fora alguns nomes fundamentais numa ou noutra destas secções, mas em qualquer trabalho deste género a questão de espaço dita necessariamente os seus próprios limites, ou então a visão dos seus organizadores pode e deve mesmo ser outra que não a de cada um de nós. Assim mesmo, poderei só referir-me aqui à parte que diz respeito aos luso-americanos ou outros escritores da nossa e/imigração. Por outro lado, não esqueçamos que uma antologia literária poderá consagrar os autores aí presentes num cânone existente ou em formação, mas deve funcionar ainda como texto desbravador de mundos criativos em fruição perpétua, e Luso-American Literature fá-lo por inteiro. Trata-se de uma antologia que vem muito atempadamente: o mundo de língua portuguesa está a aproximar-se cada vez mais também como resultado da globalização cultural em curso, em que já nos é possível num outrora isolado recanto açoriano assistir em tempo real juntamente com brasileiros e africanos a um telejornal diário dos nossos países, partilhar qualquer outro momento de interesse ou urgência mediática. Para os leitores activos de qualquer um desses países ou comunidades diaspóricas, também tudo se encontra ao nosso alcance ora através das livrarias virtuais ora através de outros meios tecnológicos.
Pela minha parte, foi a feliz descoberta da escrita brasílica-americana e dos autores cabo-verdianos numa lista agora bem mais alongada que, nas duas línguas, transfiguram a sua experiência de cidadãos “hifenados” na nação das nações, e reconfirmando uma vez mais que os seus imaginários estão necessariamente plantados na nossa outra pátria comum, a língua portuguesa nas suas riquíssimas variantes socioculturais, geográficas e históricas, ou simplesmente na memória ancestral. Mesmo estando todos os textos aqui traduzidos ao inglês, como já foi dito, a verdade a que sobressai linha a linha, verso a verso, a doce dor da saudade — dita por todos nos mais deliciosos sotaques nestas páginas — dos mundos que todos nós perdemos, a ansiedade de nos libertarmos de certas memórias e de nos reinventarmos a cada instante na nova sociedade, procurada pelo imperativo de mera sobrevivência económica ou pela aventura do novo e do radicalmente diferente. Um dos textos “brazucas” mais significantes nesta antologia (a palavra inglesada aqui, com z, traduz de imediato a primeira geração em combate pela sua dignidade na selva capitalista do país de acolhimento) é “Disha for Four Hours” de Sérgio Vilas-Boas, quando reconta a sua chegada a Nova Iorque e sai-lhe na sorte um primeiro emprego de lavador de pratos num restaurante, imaginem, de “portuga”, no qual o narrador descarrega toda a fúria historicamente anti-lusitana do seu país de origem, provocando-nos o riso empático tanto pela comédia que é deixar o Brasil para reencontrar o antigo colonizador armado em patrão eterno como pelas verdades amargas que outros escritores bem mais perto de nós (Francisco Cota Fagundes, por exemplo) já tinham dito ou escrito. De resto, em crónica, ficção pura ou em poesia, essa prosa quente dos trópicos nas terras geladas do norte celebra e chora de modos muito familiares a todos nós a perda que é igualmente inerente à reinvenção do nosso ser, a criação de novos mundos sobre as cinzas dos velhos, em que ironicamente se torna o Brasil nalgumas destas páginas, mesmo considerando que a maior parte da emigração brasileira para os EUA só aconteceu nos anos 80, quando, para maior ironia ainda do destino, o Brasil começava a sair finalmente do seus anos de chumbo e miséria. O falecido escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, ele próprio tendo conhecido durante largos anos o exílio asséptico da Europa, dizia que o que mais o aborrecia no chamado realismo mágico dalguma literatura latino-americana era que esta lhe lembrava de imediato uma bailarina com flores e bananas à cabeça, supõe-se que para não fugir às fantasias infantis dos outros mais poderosos, e assim vingar entre eles. Luso-American Literature inclui um excerto do romance Samba Dreamers de Kathleen de Azevedo que toca o tema de perto, e agora visto com a originalidade de uma protagonista sul-californiana que bem conhece a fábrica hollywoodesca que mais não tem feito do que criar e perpetuar todos os imaginários e preconceitos infames acerca dos “outros” a sul.
Os organizadores de Luso-American Literature: Writings by Portuguese-Speaking Authors in North America justificam incluir nas suas páginas todos os que estão aqui representados pelo facto do termo “luso-americano” ter de incluir agora essas outras comunidades na América do Norte que têm as suas origens e se identificam com o mundo lusófono em toda parte, “as novas realidades sociais” na Diáspora comum, tal como o termo “hispânico” engloba todos os que provêm dos países de língua espanhola. Se os brasileiros e cabo-verdianos aceitam, por nossa parte, creio, só poderemos agradecer este engrandecimento do nosso longo enlace histórico, linguístico e cultural.
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Luso-American Literature: Writings by Portuguese-Speaking Authors in North America (selecção, organização e introdução de Robert Henry Moser e
Antonio Luciano de Andrade Tosta), New Brunswick, New Jersey, and London, Rutgers University Press, 2011. A tradução da epígrafe é da minha responsabilidade.
Nota: O autor Vamberto Freitas é açoriano natural da Ilha Terceira. É escritor,crítico Literário e professor da Universidade dos Açores. Vive na cidade de Ponta Delgada,Ilha de São Miguel.
Crédito foto: Eduardo Bettencourt Pinto