DA MÃE…
A primeira crônica que escrevi foi publicada no Jornal “Aurora” do Colégio São José de Tubarão, edição de maio de 1957 e se intitulava Dia da Mãe. Vinte e cinco anos depois do presidente Getúlio Vargas ter oficializado a data no Brasil. Não era bem uma crônica e sim uma redação escolar.
Cursava a quarta série do curso primário. O jornal “Aurora” tinha cara de jornal de gente grande com doze páginas e era impresso mensalmente na gráfica do seu Manoel Aguiar, proprietário do jornal A Imprensa. Recordo que escrevi um pequeno texto falando sobre o significado do Dia das Mães e a história de sua criação, que eu lera dias antes na Revista Reader´s Digest, uma publicação que apareceu nos Estados Unidos em 1922 e que chegou ao Brasil em 1942, sendo batizada e popularizada com o nome de Seleções. Dona Robélia Faraco, professora e nossa vizinha de porta, era quem me abastecia com a revista Seleções e com livros de sua biblioteca.Desde o Tesouro da Juventude, os clássicos como Alexandre Dumas, Júlio Verne, Cervantes, José de Alencar, Machado de Assis ou os romances de Pearl Buck que eu devorava com o mesmo prazer.
Aquela história de como uma filha, a americana Ana Jarvis, triste com a perda da sua mãe, lutara anos a fio para que fosse criado o Dia das Mães, primeiro no estado da Virgínia Ocidental e depois incorporado oficialmente ao calendário dos Estados Unidos em 1914, me intrigara. Não, pela eleição de um dia para reverenciar e homenagear todas as mães, e sim, pela decepção de sua criadora ao ver aquele dia tão especial desvirtuado de sua finalidade primeira e transformado num dia lucrativo do comércio no mundo todo. Demonstrar o sentimento de amor à mãe passou a ter um preço e contra isso Ana Jarvis se rebelara.
Eu também, na altura dos meus dez anos contestei a criação de um Dia Da Mãe que entre corações vermelhos de expressão do amor filial fazia a alegria dos comerciantes. Afinal, por que escolher um dia do ano para reverenciar a figura da mãe? Foi a pergunta que eu formulei naquela singela redação escolar, contestando o hábito já arraigado de comprar um presente para a mãe. Pois, todo dia é dia de mãe. “O amor de uma mãe é diariamente novo”, afirmou certa feita a própria Ana Jarvis em sua luta pelo reconhecimento do papel desempenhado pelas mães.
O tempo deu suas voltas. Sem deixar de ser filha, passei ao status de mãe e não demorou muito para que eu recebesse, numa letrinha infantil, desenhada por entre linhas tortas, os coloridos cartões da Clarisse, do Murilo e da Caroline. Causavam uma imensa alegria e muita emoção recebê-los (e ainda causam), como aquele cartão do
Murilo, em forma de coração, que descrevia a sua mãe dizendo: “ela não é nem gorda,nem magra, um pouco alta e um pouco baixa. Um pouco braba. Ela é morena de olhos claros e verdes” riscando no cartão a figura da mãe que ele imaginara ou o da Clarisse escrevendo que tinha saudade de um “colinho” e o da Carol dizendo sem muitos floreios: eu te amo,mas não podia ser uma mãe normal? Uma queixa à mãe que trabalhava fora e não sabia fazer um bolo de chocolate como as outras mães.
Foi com os meus filhos que aprendi a mensagem da Ana Jarvis, uma mensagem que não vem embrulhada em papel de presente e não se encontra em nenhum shopping.
Mãe é presença absoluta em nossa vida. Uma presença que não se esgota, nem depois que ela parte. Fica retida e perpetuada na memória. A bem da verdade, com o passar dos dias, meses e anos a gente vai encontrando traços da nossa mãe que partiu no jeito de virar a cabeça de uma neta, na morosidade de se arrumar de uma sobrinha no gargalhar sonoro ou no inesquecível timbre de voz que de repente soa ao teu lado e nada mais é do que a voz da filha. O tom da voz, os passos, os jeitos e trejeitos, detalhes que passavam despercebidos e que agora fazem o maior sentido. Até pequenas manias que muitas vezes incomodavam passam a ser lembradas com uma saudade imensa que chega a doer.
A mãe continua fortemente presente para sempre e como as sementes germinam na primavera numa nova roupagem.
Ela está dentro do coração, no reconhecimento do ser mulher e num papel que vai além dos laços de sangue. São laços de um amor profundo, de afirmação do ser filho e do ser mãe.
Vamos combinar que temos muito a celebrar.
Pois que assim seja – um Dia só Da Mãe.
Lélia Pereira da Silva Nunes