«Da Mala de Cartão ao Diploma Universitário
Um rápido olhar sobre a situação emigratória em Portugal»
O título escolhido é provocador, podendo ser considerado como estereótipo enganoso, que não traduz a realidade actual mas só uma parte dela. A sua natureza “chamativa” atrai a atenção dos que superficialmente abordam assuntos como este – a emigração portuguesa – que requer uma atenção mais profunda, se se pretende sobre eles obter um conhecimento actualizado e objectivo. Tendo a expressão sido utilizada, frequentemente, como indicador do que a caracteriza nos nossos dias, não esgota nem sintetiza a sua definição e pode conduzir a interpretações parcelares.
As extrapolações são sempre perigosas, devendo ser evitadas considerações ligeiras que atingem apenas uma parte da população alvo, sem ter em conta o conjunto das variáveis intervenientes, cuja consideração se torna indispensável. No presente, falar em “mala de cartão” remete para uma etapa da migração intraeuropeia, cujas características difíceis então vividas conseguiram ser ultrapassadas; do mesmo modo, referir o “diploma universitário” contempla apenas um segmento dos fluxos migratórios actuais que apenas integram parte dos elementos que o possuem. Uma e outra das expressões cobrem realidades segmentárias sem traduzir a totalidade da realidade complexa que a elas subjaz. Impõe-se, por isso, que um breve olhar retrospectivo seja lançado sobre o percurso histórico que as antecede, de forma a dar continuidade e fazer compreender o contexto presente.
A mobilidade constitui desde sempre uma das características da demografia portuguesa, situação que ocorre pela posição geográfica em que o país se encontra e pelas condições de desenvolvimento insuficiente que sempre o caracterizaram e o caracterizam. Nunca tendo conseguido manter dentro das suas próprias fronteiras a totalidade da população residente, que assim se viu obrigada a procurar fora delas melhores condições de vida, esta especificidade própria da sua estrutura foi-se alterando de acordo com a modificação das situações conjunturais internacionais, que em cada tempo se articulam de forma diferenciada com as nacionais. Alteram-se assim os destinos dos que partem, as condições em que o fazem, o número e a composição que integra cada um dos fluxos migratórios.
Nem sempre se tem querido ver as condições reais que, de uma forma ou de outra, motivam a partir; as situações em que ocorrem as saídas; quem integra as correntes migratórias, o volume que cada uma delas assume; o sofrimento que acompanha o afastamento físico dos que se deixaram; enfim, tudo o que faz deslocar os nacionais do seu próprio país para um outro que não é seu. Em síntese, não querendo reconhecer as condições tão desfavoráveis que sempre têm ocorrido, surgem razões em forma de justificação que procuram explicar de modo simplista e desadequado este contínuo movimento de gentes. Entre elas, lembre-se o tão invocado “espírito de aventura”, considerado como próprio dos Lusitanos, que fez descobrir novos territórios em vários continentes, que levou a trabalhar em minas, na agricultura e na construção civil, tudo numa tentativa de desresponsabilização política. À travessia transoceânica seguiram-se os caminhos pela Europa que levam à diversidade de destinos onde se encontram hoje os mais de 5 milhões e 500 mil homens e mulheres de origem portuguesa.
Estes Portugueses integram uma grande diáspora – a Diáspora Portuguesa – porque vivendo longe do país reclamam a ele pertencer – uma origem assumida sem vergonha e fazem-no com orgulho, demonstrado publicamente. Os valores que evocam constituem guião do seu modo de viver e muitos dos muitos elementos da herança cultural que transportam por legado de ascendência é transmitido às gerações mais novas que os recriam e enriquecem.
Portugal nunca interrompeu a sua emigração e embora tenha decrescido o número de emigrantes durante o período que se situa após a Revolução dos Cravos (Abril de 1974) vem a adquirir de novo a pujança que a caracterizou no início da segunda metade do século passado.
Não pode dizer-se que a actual pode ser comparável à que teve lugar nesse período, uma vez que a composição de uma e de outra é diferente. Em vez de uma mão-de-obra não qualificada, desejada pelos países do Centro e do Norte da Europa, para a reconstrução que se impunha, os que hoje saem de Portugal têm uma preparação muito diversa em que, naturalmente muitos dos elementos possuem uma maior qualificação académica, uma vez que Portugal foi capaz de oferecê-la aos jovens nestes últimos anos. A falta de oportunidades e o desemprego que ocorre numa linha contínua e crescente é responsável pela situação que ocorre. Para além disso, um grande número de mulheres integra os fluxos que se dirigem para países muito mais diversificados, embora os tradicionalmente procurados continuem a atrair os que saem do país.
Taxa de desemprego Trimestral em % de Portugal (INE) e da Zona Euro-17países (BCE)
Nunca será de mais lembrar que as condições de comunicação permitem a circulação da informação e encurtam as distâncias. O que era longe e difícil tornou-se acessível. Os meios de transporte com preços competitivos facilitaram a circulação. E, para além disso, muitos núcleos de compatriotas ou gente com quem anteriormente se mantinha uma relação familiar ou de vizinhança constitui não só um incentivo para a partida como um ponto de apoio para a primeira fixação, que pode até assumir-se como de carácter ilegal numa primeira fase.
A leitura dos jornais, semanários e diários, as notícias emitidas pela rádio ou visionadas na televisão, a consulta on line, dão conta do número de anúncios que publicitam a existência de postos de trabalho livres em países estrangeiros. O mesmo acontece com feiras de emprego organizadas em Portugal, onde numerosos recrutadores estrangeiros instalados em stands, concorrem entre si através de intermediários ou de modo directo, oferecendo condições de trabalho tentadoras, pela estabilidade assegurada, salário atractivo e ensino de língua entre outras ofertas vantajosas e aliciantes. Todos eles referem a necessidade de uma mão-de-obra qualificada a nível académico ou outro.
Entre a primeira destaca-se a área da saúde (médicos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos) e da engenharia civil e arquitectura. No entanto, não pode esquecer-se que muitas outras relacionadas com a prestação de serviços (de que a restauração constitui um bom exemplo) recrutam Portugueses. Torna-se importante salientar que o interesse demonstrado pelos trabalhadores de nacionalidade portuguesa reflete o apreço em que é tido o seu trabalho, sendo a qualidade reconhecida a nível internacional.
A presença portuguesa em todo o mundo é um facto indiscutível. Embora a diversidade se instale, os tradicionais destinos da sua emigração avolumam-se: Brasil e França, constituem os dois pólos eleitos, visivelmente recortados, o primeiro revelando a preferência transoceânica e o segundoo, uma preferência além-Pirinéus. O maior número dos que são de origem portuguesa reside nos Estados Unidos da América.
Novos caminhos se abriram – uns retrocedendo, como foi o caso de Espanha, outros progredindo como é o caso de Angola. Portugal continuará a ser um país de migrações sem fim, como afirmou em 1999, Manuela Aguiar.
O projecto de regresso por muitos imaginado como definitivo assume hoje várias formas, traduzidas por movimentos pendulares cujo espaço se encurta e o ritmo se acelera. Através das facilidades tecnológicas que transportam os que estão longe para mais perto e permitem com eles estabelecer um permanente convívio as saudades menorizam-se.
O futuro trará certamente novas configurações a esta mobilidade que nunca deixará de levar para fora do território os elementos de uma
nação sem fronteiras físicas que, através de fortes laços emocionais, assegura uma presença que se estende a todo o mundo e nele deixa as marcas produzidas pelo seu sentimento de pertença.
Maria Beatriz Rocha-Trindade
Universidade Aberta – CEMRI
(*)Professora e Investigadora. Licenciada em Antropologia e Doutorada em Sociologia. Tem dedicado a vida ao estudo das Migrações, entre as quais a portuguesa assume um papel primordial.
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