Declaração de amor à cidade da Horta
Como és sedutora, fascinante e misteriosa
Oh minha querida cidadezinha de mar!
Trazes no rosto maquilhado um arzinho cosmopolita
E fazes olhinhos bonitos
(por detrás das tuas respeitáveis gelosias)
Aos navegadores loiros e trigueiros
Que vagueiam pelas tuas ruas
E bebem “gin” no Peter”!
Oh Minha Horta, recatada e feminina,
Inchadinha desse insustentável orgulho flamengo!…
O mundo inteiro cabe na tua Marina!
Mas ficas-te pela gloriazinha
Do teu passado mercantil e marítimo!
E sonhas com os paquetes iluminados de outros tempos!
E recordas ainda os escandalozinhos das festas a bordo
Quando à tua Doca vinha uma qualquer esquadra…
Ficas-te pelo tempo da laranja, do vinho e dos Dabney!
Esse tempo dos navios baleeiros de Nova Inglaterra
Ancorados na tua luminosa baía!
Esse tempo das banhistas em “maillot” na Praia de Santa Cruz
E da moral chique das famílias “smart”.
Foste oásis de refrescos à navegação
E embeiçada ficaste pelos ingleses e pelos alemães
Das companhias dos cabos telegráficos submarinos…
E sonhas ainda, com saudadezinha langorosa,
A amaragem dos “clippers” da Pan America
Na tua baía desportiva, carvoeira e embarcadiça.
(Sempre deixaste que os estrangeiros te levantassem a saia
e te beliscassem os seios, oh minha desavergonhadinha)…
Mas amo-te, cidade de Van Huertere,
Apesar da mesquinhez do teu pequenismo paroquial
E das tuas birras de burguezinha conservadora
E da tua apetência para a coscuvilhice da vida alheia!…
Amo-te porque é doce e cantado o teu falar
E porque são literalmente belas as tuas mulheres!
E quero-te, apesar das tuas empertigadas autoridades
E apesar da gravidade postiça da tua gente de boa roda
(tomada de amores pátrios e maçónicos)…
Ah, cidade apetecível de ver o Pico!
Tu, que já foste culta e ilustrada,
Tens hoje a hospitalidadezinha do português suave:
São os teus comerciantes honestíssimos!
Os teus manguinhas de alpaca cumpridores!
Os teus pescadores pachorrentos!
Os teus artistas estimáveis!
Os teus professores submissos!
Os teus alunos rebeldes!
A tua culturazinha dos colarinhos engomados!
O teu Parlamento tranquilo!
Os teus deputados do “deixem-se ficar como estão”!
As tuas Secretarias gloriosamente regionais!
E são os teus jornais miudinhos!
Os teus clubes do empatezinho a zero bolas!
E é o requebro das tuas lúdicas concubinas
Espreitando às portas dos cafés!
E é o códigozinho do comportamento bem comportadinho
Da tua santa e pacata vidinha!
E no entanto, amo-te!
(sem mesmo saber como é possível amar assim)…
E por mais que, sorridente e atrevida,
Namorisques os teus visitantes
E ao teu povo te mostres indiferente e desdenhosa,
Eu hei-de sempre fazer escala no teu coração
Oh Horta magnífica, mítica e minha!
Victor Dores,
Inédito.
Victor Rui Ramalho Bettencourt Dores (1958), professor, ensaísta, poeta, nascido na vila de Santa Cruz, ilha Graciosa, reside e trabalha na cidade da Horta, ilha do Faial.