DEZ ANOS SEM ALDÍRIO SIMÕES… Histórias que o tempo não apaga
Aldírio Simões,um grande amigo e parceiro de muitos projetos culturais. Aproximou-nos o desejo maior de salvaguardar os saberes, as crenças, as tradições de Florianópolis como a Festa do Divino Espírito Santo, a Procissão do Senhor dos Passos e dos Navegantes, o Boi de Mamão, a gastronomia típica, a pesca, a renda de bilro, o carnaval e, sobretudo, aquelas originárias da diáspora açoriana do século XVIII.Ousado, teve coragem de valorizar o ilhéu nativo – o “Manezinho” – a identidade renascida e abraçada de forma incontestável. Com Aldirio Simões e sua paixão pela Ilha nasceu um novo olhar – de respeito e reverência – ao Manezinho que ele soube como ninguém colocar no seu devido lugar e dando a real dimensão da dignidade.
Grande comunicador, foi voz e deu voz à nossa gente, nas emissoras de radio, na televisão e nos jornais onde mantinha a sua coluna diária “Fala Mané” no NA Capital,suplemento do Jornal A Notícia. Cronista da alma da Ilha, de Florianópolis, do carnaval, da terra, do mar, dos valores mais típicos da nossa gente. Este era seu chão e daí gerava a sua escrita simples e alegre.
Mesmo passados 10 anos de sua partida, Florianópolis não o esquece. Junto da saudade da sua presença amiga ficou um legado inegável representado por sua importante produção literária para quem se aventurar a conhecer a alma do ilhéu. Uma herança que permanecerá viva no correr das gerações como parte da nossa história cultural.
Histórias ou memórias que o tempo não apaga…
No ano de 1998, numa ação de intercâmbio cultural – “De volta às Raízes,” promovida pela Direção Regional das Comunidades, do Governo Regional dos Açores, Aldírio Simões visitou as Ilhas Terceira, Faial, Pico e São Jorge. Apaixonou-se perdidamente pelos Açores.
Desde então, seu grande sonho era gravar um programa do “Bar Fala Mané” nos Açores. O projeto começou a ser construído em parceria com a SBT-SC e a Fundação Franklin Cascaes,da qual eu era Superindentente. Em Janeiro de 2004, apresentei a ideia a Osvaldo Cabral, na época Diretor Geral da RTP-Açores, que acolheu com entusiasmo o projeto previsto para ser realizado em junho de 2004. A boa nova circulou na Imprensa local e na sua coluna “Fala Mané”. A divulgação oficial, ou o arranque para a concretização, seria dado no programa “Bar Fala Mané”, a ser gravado na noite de sexta-feira, dia 23 de janeiro de 2004.
No entanto, o Bar não abriu.
Um dia antes, na cinzenta manhã de quinta-feira, Aldírio Simões pregou-nos uma grande peça – simplesmente desgarrou sua Ilha e partiu…
Falar do Aldírio é como mexer num balaio de siris. Puxa um e vem todos…
Assim, lembro uma outra passagem. O aniversário da Fundação Franklin Cascaes em 29 de Julho de 2002. Uma grande festa e intensa programação. Entre os convidados, os escritores Onésimo Teotónio Almeida e Leonor Simas-Almeida da Brown University,Providence(USA). Onésimo proferiu conferência na Academia Catarinense de Letras e, com a Leonor, participou das inúmeras atividades desenvolvidas por ocasião do aniversário da Fundação. O casal fez questão de conhecer Florianópolis e tudo que dissesse respeito às tradições culturais da capital.
Aldírio Simões, que já conhecia a projeção cultural e a envergadura de seu currículo, além do bom papo e grande contador de histórias, fez questão de entrevistá-lo no seu programa televisivo que, naquela semana, seria gravado, excepcionalmente, na Praia do Sonho, no município da Palhoça, no Continente. Na última parte do programa seria oferecido um farto almoço e,no cardápio, músculo assado na panela.
A entrevista terminou em um clima muito descontraído.Nada de espanto,afinal o encontro de dois ótimos nomes da comunicação social e tendo em comum os Açores só poderia resultar bem. Sucesso absoluto. Muitas histórias e gargalhadas depois chegou a hora de servir o esperado “músculo na panela” e encerrar as gravações do programa.
– Professora,traz o Onésimo,o escritor açoriano. Vamos encerrar agora,grita o Aldírio
– Onde está o Onésimo? Cadê o Onésimo?
– Procuramos por todos os lados e nada. Minutos foram passando…
– Saímos para fora da casa a procurá-lo nas redondezas (diga-se de passagem que a Leonor assistia à movimentação tranquila,pois afinal conhece bem o marido que tem). Ao pé dali,coisa de uns 200 metros, uma família almoçava. O aroma do churrasco e as gargalhadas tomavam conta do sítio.
Sebastião,meu marido comentou – estás vendo aquela casa rosa? Presta atenção nas gargalhadas, parece que alguém está contando anedotas.
Entramos na tal casa. No fundo do quintal uma grande mesa em torno da qual celebrava-se um aniversário. Entre eles, e muito à vontade, estava o Onésimo todo sorridente a contar histórias que, como bem sabemos, só ele sabe contar.
Infelizmente, não tenho mais as fotos que registram esses momentos de grande convívio e alegria.Momentos guardados para sempre. Impagáveis!
Doze anos depois (e dez da morte do Aldírio) pergunto ao Onésimo o que guardara na memória sobre este breve convívio com jornalista Aldírio Simões na sua visita Florianópolis.
Escreve Onésimo T.Almeida:
“Foi assim e as fotos estão aí a demosntrá-lo. O Aldírio no meio de nós explodindo de vida e humor, alegria, wit, convivialidade suprema, tudo numa boa que um visitante como eu, caído sem pára-quedas em Florianópolis, tomava como sendo de outro mundo a confirmar que, para lá do Equador, se não era verdade não existir pecado, ao menos tristeza não se enxergava.
Foi rápido o encontro, a conversa na TV ou na rádio (já nem me recordo), a folia no parque, numa festa que as fotografias não registaram o nome, pois não vêm com legendas e a memória não consegue reconstrui-las.
Trouxe comigo esses momentos, esses rostos, essas faces de sorriso rasgado e, de repente, tão de repente como me surgiu esse monumento de comunicação que era o Aldírio Simões, chegou a notícia de ele ter abruptamente decidido que era bastante, qualquer razão estranha lhe ditara ser tempo de acabar a festa da vida.
Tudo um mistério que não entendi como não entendera antes de onde vinha tanto humor nem tão contagiosa maneira de estar neste mundo.”
Legenda Fotos:
1. Procissão N.S.dos Navegantes, Costa da lagoa – de Marisa O.Carvalho
2. Fotos Aldírio – Acervo Jornal Notícias do Dia/ Coluna Ricardinho Machado e Lélia Nunes