Dia das Bruxas nas ilhas de lá e de cá
A celebração do Halloween, a milenar tradição celta, desembarcou na América do Norte em meados do século 19. Se no passado pagão acreditava-se que no último dia do verão nórdico (31 de outubro) os espíritos saíam dos cemitérios para se apossarem dos vivos e que, para mantê-los longe, as propriedades eram decoradas com máscaras assustadoras, abóboras caricaturadas e iluminadas, no presente é uma festa divertida que comemora o Dia das Bruxas.
Uma tradição que nos remete a dois velhos costumes da população do litoral catarinense: o “Pão por Deus”, em fase de extinção ou apenas sobrevivendo em diferentes leituras, e a crença da “Procissão das Almas”. Patrimônio espiritual da nossa gente, tanto um quanto o outro fizeram os caminhos do mar e sofreram com o passar dos séculos alterações sensíveis.
No caso do “Halloween” ou “Dia das Bruxas”, é muito recente a sua celebração no Brasil. Para alguns, é mais uma festa que nada tem a ver com as nossas tradições e que deve ser banida antes que integre o calendário cultural do país. Como se as tradições do Papai Noel no Natal, do coelhinho da Páscoa, do Pão por Deus, do Carnaval, do Boi Bumbá, das Folias dos Reis fossem já realizadas muito antes de Cabral aqui chegar. Tanto é que foi criado em caráter nacional e por decreto o “Dia do Saci Pererê”, em 2005. O querido personagem do folclore brasileiro nascido no Sul do Brasil e popular em todo o país. A data escolhida? Ora, o próprio dia 31 de outubro!
Tenho observado o renascer de um nacionalismo cultural pautado numa visão etnográfica, em detrimento de um conceito que abraça as diferentes formas de criação humana. Das grandes obras literárias, musicais, artísticas, até as manifestações da cultura popular tradicional, incluindo aquelas expressões que chegaram pelo caminho da diáspora. Um legado que não se pode jogar pela janela numa atitude etnocêntrica. Será que se pode falar em etnocentrismo num país que recebeu a influência de tantos povos que gestaram a alma brasileira?
O que nos prejudica não é a influência do que vem de fora, e sim a falta de cultura, de acesso democrático às grandes expressões culturais ou às manifestações populares tradicionais, sejam elas brasileiras ou não.
As bruxas da Ilha estão eternizadas na literatura enfeitiçando o leitor, na música, nas artes – o “realismo fantástico ilhéu” de Franklin Cascaes que o diga. Alegorias, metáforas, tempo e espaço se fundem e emergem na criatura: sortilégios, feiticeiras, seres alados, bernúncia, o cantar dos bilros nas mãos da mulher rendeira e o fadário da bruxa mulher, mítica e mitológica como as deusas feiticeiras de Homero.
Em tempos de “Halloween”, vale a pena trazer à tona as bruxas da Ilha, de cá e de lá. Afinal, entre o real e o imaginário não há fronteiras.