Mas o que é este novo livro, A Presença Portuguesa na Califórnia, agora publicado pela Peregrinação? Trata-se, essencialmente, do primeiro livro da história dos portugueses na Califórnia. Mais do que uma colectânea de crónicas, que do professor Dias seriam uma delícia, este livro dá-nos, em 124 páginas, a história das gentes portuguesas no gigantesco estado da Califórnia. Começando com um trabalho intitulado “Os primeiros tempos: presenças fugazes” onde percorremos os primórdios da nossa presença desde João Rodrigues Cabrilho a Sebastião Rodrigues Sermenho, passando para “Os primeiros emigrantes” no qual encontramos a história de António José Rocha e a sua vinda em 1814 até ao baleeiro jorgense Joseph Miller (José de Sousa Neves) que à Califórnia chegou por volta de 1836, ao ensaio “A emigração em massa” que nos relata em prosa de quem sabe penetrar os labirintos da escrita, as sucessivas ondas de emigração para este estado do pacífico onde hoje, segundo o Census do ano 2000, efectuado pelo governo dos Estados Unidos, residem perto de 400 mil portugueses e luso-descendentes.
Prosseguindo a leitura deste pequeno/grande livro de história, nem que os livros se medissem aos palmos ou ao peso, encontramos a nossa experiência e o nosso contributo nas industrias dos lacticínios, da baleagem e da pesca do atum. Há um capítulo dedicado às festas sociais da nossa comunidade, desde o Espírito Santo ao Carnaval, passando pelo fenómeno recente (da última década) das touradas, de praça e à corda, que mobilizam milhares de pessoas em todo o vale de San Joaquim e no sul da Califórnia, mais concretamente nas cidades limítrofes de Los Angeles: Artesia e Chino.
Há um capitulo dedicado ao movimento fraternalista, as sociedades fraternais que ainda movimentam milhões de dólares de poupanças e investimentos da comunidade e que continuam a ser uma importante parcela da vida social das nossas comunidades. Com raízes profundas na segunda e terceira gerações, as sociedades fraternais são de suma importância para a ponte que todos queremos que se estabeleça entre as gerações emigrantes e aqueles cujos pais, avós ou bisavós um dia, por necessidade, emigraram dos Açores e plantaram raízes na terra prometida.
Um dos capítulos mais aprazíveis é o que o Professor dedicou ao fenómeno da mistura dos dois idiomas no linguarejar das nossas comunidades. O “portinglês” é um ensaio que explicita as razões destes vocábulos e a riqueza dos mesmos. Vistos em tempos idos como algo depreciativo, tratados em Portugal e nos Açores pejorativamente, foi o Porfessor Doutor Eduardo Mayone Dias que sempre lutou, com todo o rigor académico, e patenteou perante os puristas de todos os “Terreiros do Paço” que a utilização destes vocábulos no discurso quotidiano das nossas gentes era e é indicador do poder de adaptação dos emigrantes.
Dedicando um longo capítulo à “comunicação social de expressão portuguesa” o autor mostra-nos, ainda mais esta vez, a tal empatia que Vamberto Freitas nos falava. Um estudioso da nossa comunicação social e um colaborador fiel da mesma, Mayone Dias sempre colaborou nos jornais, nas rádios e nas televisões das nossas comunidades. Muitos dos seus artigos, dos seus ensaios, coleccionados em vários dos seus livros, viram primeiro a luz do dia em jornais da Califórnia, da Costa Leste, do Canadá e claro também de Portugal continental e dos Açores. Nos momentos de pujança e de contratempo as crónicas do Professor sempre brilharam nas páginas da nossa imprensa. Nos 16 anos que fiz rádio nas nossas comunidades, nunca me recusou uma entrevista, um comentário, uma conversa. E foi ainda o responsável pelo guião que conduziu a produção videográfica de David Martins “Os Portugueses na Califórnia.” Daí que o seu capítulo sobre a comunicação social seja um dos mais enriquecedores desta história dos Portugueses na Califórnia.
Outro capítulo deslumbrante é o que dedica à nossa literatura de expressão portuguesa neste estado. Não tivesse sido ele um dos responsáveis pelo seu estudo durante tantos anos! Desde a literatura de cariz popular aos escritos mais eruditos, Mayone Dias, dá-nos um retrato fidelíssimo das narrativas dos portugueses nesta parcela norte-americana. E termina, muito ao seu estilo de observador eminente: “E o futuro? É evidente que esta literatura oferece um carácter intrínseco e de considerável efemeridade, já que é produzida por e para o núcleo transplantado. A ser interrompido o fluxo migratório, ficará inexoravelmente condenada a tornar-se peça de museu.” 4
Já na parte final deste livro há “Um Balanço Geral” em que o escritor e estudioso das nossas comunidades e da vida, fala do que fomos e somos. São três páginas de prosa empolgante convidando os leitores a reflectirem as vivências e o futuro, a curto e longo prazo, da nossa presença neste estado, e a tal metamorfose que todos, aqueles vivem e se interessam pelas nossas comunidades, andámos a falar já lá vão muitos anos. E é nesta prosa sadia que termina, afirmando: “Será difícil prever por que trajectória enveredará a emigração portuguesa para a Califórnia. Nas últimas décadas as chegadas diminuíram substancialmente. A manter-se este decréscimo será pois de conceber um envelhecimento da comunidade e um progressivo domínio da vida social por uma geração de luso-descendentes. Não é porém de crer que com facilidade desapareça a tradição cultural que os portugueses trouxeram a essa região e que tão vigorosamente tem marcado a sua presença por mais de 180 anos.”5
As últimas páginas de A Presença Portuguesa na Califórnia são de uma riqueza prodigiosa para a nossa história de comunidades portuguesas neste estado banhado pelo pacífico. Primeiro apresenta-nos uma cronologia (1542 a 1999) da nossa presença com os principais acontecimentos que marcaram as nossas comunidades, segundo, as bibliografias (especial e geral) são documentos riquíssimos para os arquivos comunitários.
Daí que se recomende a leitura deste livro e até mesmo uma possível tradução para inglês. A sua presença em língua portuguesa é importantíssima para uma geração que ainda consegue ler em português, para os estudos das nossas comunidades nas universidades americanas e portuguesas, para as bibliotecas em Portugal onde devem estar as obras de quem nas comunidades, corajosamente, ainda escreve em português para que a nossa língua sobreviva mais algum tempo, para registar, com todo o rigor, os nossos feitos em terras americanas e estabelecer a tal ponte que todos queremos entre a terra de origem e as comunidades. Em português ainda, porque tal como outras obras da nossa emigração, este livro deveria ser leitura obrigatória pelos políticos portugueses antes de visitarem as nossas comunidades. E em inglês, numa futura tradução, porque sem ser maçador, este pequeno/grande livro traça a história dos portugueses na Califórnia, a história, que muitos luso-descendentes, desconhecem e estão apetitosos para conhecê-la.
Bem-haja ao Professor Doutor Eduardo Mayone Dias por mais esta obra, por mais este contributo às comunidades portuguesas da Califórnia, à história do povo português que tal como escreveu um dia Miguel Torga, tem por “sina não caber no berço.”6
Este é um livro para se ler e reler. É que nele estão os passos do nosso valioso contributo para o multiculturalismo americano e para a fértil diversidade do estado da Califórnia.
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4 A Presença Portuguesa na Califórnia. Eduardo Mayone Dias. Peregrinação Publications. Rumford, RI 2002. pg. 92
5 Idem pg. 95
6 Diários Vols. IX a XVI 1964-1993. Miguel Torga. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 199. pg. 1583
Nota: Lege
nda: Foto E.M.Dias de António Oliveira,ComunidadeUSA