(© Ken Smith/84)
A emigração portuguesa para Toronto teve início de forma expressiva no princípio da década de cinquenta e continuou até finais dos anos sessenta, começo de setenta. Os dados do censo canadiano indicam que os imigrantes portugueses em Toronto se fixaram na zona ocidental do centro da cidade, com um núcleo principal entre College/Bathurst a nordeste e Dundas/Dufferin a sudoeste. Neste bairro, que haveria de ser conhecido como “Little Portugal”, os imigrantes portugueses criaram uma comunidade institucionalmente integrada, tornando-o um dos bairros étnicos mais visíveis de Toronto (Carlos Teixeira, 2007). Em meados dos anos oitenta, as ruas de “Little Portugal” eram um local vibrante, recheado de momentos que reflectiam a vida da comunidade. Este é o enquadramento necessário a estas fotografias.
Em 1984, enquanto estudante de fotografia na Universidade de York em Toronto, Ken Smith levou a cabo um projecto informal de documentação da vida nas ruas deste bairro. O estilo do fotógrafo vai beber à tradição dos fotógrafos americanos Walker Evans e Robert Frank, e dos europeus Eugene Atget, Henri Cartier-Bresson, e André Kertész. As suas imagens captam figuras em situações genuínas no espaço público: geram-se num espaço onde se pode olhar a actividade humana, espaço de observação e apreensão da interacção social.
As imagens a preto e branco desta colecção não pretendem celebrar ou glorificar a comunidade nem mesmo descrevê-la; tentam, isso sim, captar a dinâmica entre as pessoas e o espaço que habitam. A estética de Smith radica nas relações espontâneas entre o ambiente, o sujeito e a câmara não invasiva; a vida desdobra-se e, ao fazê-lo, revela padrões de organização social que lhe conferem sentido.
As diversas representações personificadas nesta exposição dão relevo à justaposição entre o novo e o velho. Embora tematicamente não intencional, pode inferir-se do conjunto coligido uma impressão de dinâmicas e relações inter-generacionais. As crianças são tema recorrente, tanto quando fotografadas independentemente dos adultos, quer estando estes presentes. Ao olhar-se a colecção, pode descobrir-se um jogo poderoso entre o presente, o passado e o futuro: o presente representado pelo momento da fotografia; o passado inerente aos sujeitos adultos; e um futuro a ser definido pelas crianças apresentadas. Na medida em que é possível atribuir uma conotação cultural às imagens, poderá olhar-se para esta colecção como um comentário sobre a natureza da mudança cultural; a primeira geração de adultos funcionando como âncora cultural à terra mãe que deixaram; as crianças abraçando e ajudando a definir a nova cultura em que irão participar.
Estas imagens ajudam a edificar e a consolidar a nossa história, mas, como sucede com toda a fotografia, elas captam o tempo de que já não há memória: o Toronto de 1980 mudou; a comunidade portuguesa evoluiu; e as pessoas aqui apresentadas envelheceram. Como disse o eminente fotógrafo Henri Cartier-Bresson: “Nós fotógrafos ocupamo-nos de coisas em perpétuo desaparecimento, e quando elas se vão não existe na terra processo de as fazer regressar de novo. Não podemos revelar nem imprimir a memória”.
(2013)
Esta é uma tradução da versão em língua inglesa
Ken Smith é doutorado em Ciências Cognitivas, tendo completado pós-graduações em Estudos de Media. Durante anos fotografou as culturas portuguesas no Canada, incluindo testemunhos das Ilhas do Açores.
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