Idílio
Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos de um fôlego as colinas
Do rocio da noite inda orvalhadas;
Ou vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longe no horizonte amontoadas;
Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empacideces…
O vento e o mar murmuram orações
E a poesia das cousas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.
in «A Geração de 70» Sonetos de Antero de Quental,
segundo vol., Círculo de Leitores, 1987
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O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d´ouro, ante mais ais!
Abrem-se as portas d´ouro, com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão—e nada mais!
In: Sonetos