Rondó de Verão
Não passa um navio no mar,
Não risca uma asa o azul
– distância de ir navegar
Sem rotas no mar do sul
Não vai uma nuvem no céu,
Não anda ninguém no caminho.
A praia sem pernas ao léu,
O sol brilha alto sozinho.
Não grila um grilo na horta,
Não zumbe uma abelha na flor.
Ninguém aparece à porta
A ver se divisa um vapor.
Duas horas da tarde suam
No relógio de pulso que afago.
No canto da boca insinua
O meu suor um sabor amargo.
Janelas abertas ao ar
São olhos dormindo de luz,
Sonhando com ir navegar
Nos mares longínquos do sul.
Tudo calmo na hora vazia.
Não passa ninguém no caminho.
O Verão chegou neste dia,
O calor vai passando sozinho.
Não risca uma asa o azul,
Nem gaivotas nem garajaus;
Olhando o leste, oeste e sul
Pousam brancos sobre os calhaus.
Não vai uma nuvem no céu,
Não grila um grilo na vinha.
Na praia sem pernas ao léu
A luz vai luzindo sozinha.
O Verão chegou mesmo agora.
Calor ninguém o suporta.
A ver se descobre um vapor a-
parece o vazio da porta.
Não sopra uma aragem sequer,
Não zumbe uma abelha na flor;
Não se ouve uma voz de mulher
Trauteando uma trova de amor.
Duas horas me diz o relógio
E eu limpo o suor com um lenço.
O sol arde alto. É que hoje o
Verão chegou com São Lourenço.
S. Jorge, 1959
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“Dia de Sol"
Vento norte, Sol a pino.
Não há nuvens. Luz no ar.
Jorra um azul opalino,
Água do céu e do mar.
O Cabeço da Caldeira,
Cimado por uma cruz,
Abre os olhos de sineira
Encandeados de luz.
Os milhos, verdes, vicejam
Na luz, como na água os limos.
As abóboras bocejam
Junto aos melões e pepinos.
A erva seca das relvas
Tem a esmaecida sede
Do verde fresco das selvas
Encrespada na parede.
Dormem casas ofegantes
Entre as faias das courelas.
Sonham navios distantes
Nos caixilhos das janelas.
Latejante calmaria
No cinzento das estradas.
Ninguém passa. Sobe o dia
Por sobre as terras caladas.
Para além da rocha o mar.
Além do mar o horizonte.
Por cima o céu. Azul e ar.
E a Terceira ali defronte.
Dorme um sossego lilás
E estua em tudo um anseio:
Emoção densa que traz,
Como espiga de centeio.
Todo o pendido carinho
Do olhar de Santo Antão
E do olhar do seu porquinho
Em tardes de procissão.
S. Jorge, 1958.
in Água do Céu e do Mar (1960).
Nota: Agradeço ao Onésimo T.Almeida a ter facultado a cessão dos poemas de autoria do filósofo, Prof.Doutor José Enes Cardoso,o rimeiro reitor da universidade dos Açores. Natural da Ilha do Pico era considerado um grande pensador açoriano e um dos mais importantes filósofos portugueses do Século XX.