Dos Açores ao Brasil
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Victor Rui Dores
De que falamos nós, portugueses, quando falamos do Brasil?
Estaremos conscientes da grandeza, da riqueza e das infindáveis potencialidades daquele país? Conhecemos, acaso, o Brasil gigantesco (o 5º do mundo em território), o Brasil verdadeiro, autêntico e profundo? O que sabemos nós dos brasileiros para além do samba, do carnaval, das telenovelas, da cachaça e do futebol?
E, já agora: o que sabem verdadeiramente os brasileiros dos portugueses, para lá da nossa (suposta) formalidade, do fado, do bacalhau, do vira e do proverbial anedotário? Costumo dizer aos meus amigos brasileiros que nem todas as mulheres portuguesas têm bigode… A propósito, conhecem esta?
“Navio em alto mar. Dois portugueses nadando um atrás do outro. “Eu não te disse que aquela porta não era do banheiro”…
No imaginário dos brasileiros, o português ficou para sempre associado às figuras do padeiro e do merceeiro das esquinas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Decerto haverá por parte de Portugal em relação ao Brasil um sentimento de nostalgia pelo império colonial irremediavelmente perdido. Tal como haverá um certo complexo de Édipo brasileiro em relação a Portugal pela nossa condição de ex-colonizadores e por termos dado ao Brasil a terra, o povo e a língua – a quinta mais falada do mundo sobretudo à custa dos brasileiros. Os dois países só têm a ganhar com este imenso e valioso património linguístico.
É conhecida a ironia de António Torres quando escreveu que “os portugueses tiveram a glória de descobrir a Índia para os ingleses, e o Brasil para quem quisesse”…
Ao contrário de nós, que somos macambúzios, tristes, desconfiados e insatisfeitos, os brasileiros são afáveis, elegantes, cordiais, comunicativos e alegres. Aliás, temos no Brasil a nossa melhor invenção: o mulato, ou melhor dizendo, a mulata…
E, pela vida fora, eu hei-de sempre admirar o sotaque brasileiro e a musicalidade da vogal aberta, esse “português com açúcar”, no dizer de Eça de Queiroz. Acima de tudo, sou apreciador incondicional da boa música, do admirável cinema e da excelente literatura que me chegam das terras de Vera Cruz.
É certo que nem todos os portugueses gostam dos brasileiros, e vice-versa. Não somos perfeitos e, com virtudes e defeitos (incluindo preconceitos de parte a parte), toleramo-nos há 150 anos.
Não há muito tempo, quando Portugal vivia a ilusão e a esperança de ser um “oásis”, recebemos milhares de imigrantes brasileiros com a altivez, a inveja e a desconfiança de quem receia que vem aí gente roubar-nos empregos… Agora está na berlinda o novo Acordo Ortográfico em que, manifestamente, Portugal faz cedências ao Brasil. E nem sempre nos entendemos. Tal como ironizou Bernard Shaw referindo-se aos ingleses e aos americanos, é caso para dizer que Portugal e Brasil são países irmãos, mas separados pela mesma língua… E, em matéria de ironia, o meu bom amigo Onésimo Teotónio de Almeida não fica em nada atrás daquele dramaturgo irlandês: “Os portugueses não discriminam. Os portugueses não são racistas. Os brasileiros são nossos irmãos. Só que os preferimos na TV. E no Brasil”…
Vem tudo isto a propósito da minha viagem ao Brasil onde vi coisas assombrosas e espectaculares! Ainda trago nos olhos as imagens deslumbrantes da Baía de Guanabara, Copacabana, Leblon…
Viajar é, para mim, uma forma de pensar. Por isso viajo não para ver paisagens, mas para captar atmosferas. E ainda sinto o cheiro do “Petisco da Vila” e o sabor da cerveja que bebi no mítico café “Garota de Ipanema”.
Para além do Rio de Janeiro, andei por São Paulo, Campinas, Curitiba (a mais europeia das cidades brasileiras) e Santa Catarina, em cujo Estado existe actualmente um milhão e quinhentos mil descendentes de açorianos. Fui lá encontrar raízes familiares que julgava perdidas. E vi, em Florianópolis, as mulheres mais elegantes e mais belas do mundo!
O Brasil é a doce intimidade, a generosa simpatia. É o país das grandezas e das misérias, o país da impulsiva claridade dos trópicos, da profusão de vivências e miscigenação.
Temos no Brasil um “imenso Portugal”. E os brasileiros têm em Portugal um Brasil imenso.
O que é preciso é unir esforços, intensificar pontes e fortalecer vontades entre os dois países. Na música e na literatura alguns passos têm sido dados. Falta o resto. A menos que queiramos continuar na mesma, isto é, sermos acintosamente irmãos mal-quistos…
P.S. Curiosa coincidência: o acaso fez-me encontrar, numa avenida de São Paulo (cidade com mais de 10 milhões de habitantes), um graciosense… Decididamente o mundo está a ficar pequeno de mais para mim…
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Sobre o Autor Victor Rui Dores: Açoriano. Professor, ator, encenador,dramaturgo e escritor. Na prosa e na poesia o autor surpreende o leitor por suavidade e a riqueza de sua escrita.Uma produção literária intensa e extensa. Uma personalidade ímpar presente em diversas frentes artíticas e culturais,nascida na Ilha Graciosa.
Victor Rui Dores a falar da Ilha do Faial…