Dr. Mayone Dias: Um Homem Emocionadamente Feliz
Peço desculpa pela informalidade desta mensagem, mas a amizade e admiração que nos liga ao Prof. Mayone Dias, desculpará a omissão dos vossos títulos académicos e/ou outros.
Esta mensagem poderá parecer estranha, porque não tenho por hábito partilhar as minhas experiências comunitárias (sucessos ou desilusões) convosco. Porém, porque o dia de ontem foi tão bonito, e muitos de vocês demonstraram pelas redes sociais e através de telefonemas o carinho que nutrem pelo Prof. Mayone Dias, decidi partilhar convosco o que se passou no salão de festas do Artesia DES — o mais belo, digno e bem concebido projeto de entre todas as agremiações comunitárias portuguesas que conheço nos Estados Unidos—, no dia em que essa comunidade o homenageou e a Portuguese Heritage Publications apresentou o livro: "Memórias de um Burocrata Invisível: Autobiografia e Algo Mais”.
Também o faço a pedido do Prof. Mayone Dias que, insistente e encarecidamente, me pediu para vos agradecer as mensagens e pedir desculpa por o seu estado de saúde e do seu computador não “colaborarem” em responder às vossas tentativas para o contatar num passado recente.
Há cerca de 3 semanas atrás, durante a apresentação da biografia de Lúcia Noia de Álamo Oliveira em Fresno, indaguei junto dos amigos Osvaldo Palhinha e Manuel Aguiar sobre a possibilidade da apresentação do novo livro do Prof. Mayone Dias, que nos acabava de chegar da gráfica. Artesia seria o local ideal, porque sabíamos da forte ligação do Professor à comunidade de Artesia até há alguns anos atrás, como sabíamos que o seu precário estado de saúde não permitiria deslocações mais distantes. Dois depois depois, tínhamos a confirmação que 8 de Outubro seria ideal para apresentar o livro, durante uma atividade já programada.
Só na passada semana tivemos a alegre confirmação da Elisa Dias, que afinal tinha sido capaz de convencer o pai a deslocar-se a Artesia para a apresentação do livro. A nossa vontade seria que Cota Fagundes — revisor final do texto e autor do Prefácio — mas não foi possível.
Face à indisponibilidade de outras escolhas mais capazes por conflitos pessoais, saiu-me a sorte grande!!! Sei que a Judite não ficou radiante com a ideia, depois da minha ausência nos Açores nos últimos dois fins de semana, mas aceitou acompanhar-me nesta jornada (romântica?!) de carro até ao sul da Califórnia. Uma viagem de doze horas de carro — e para a Artesia — de certo que não fazia parte da sua lista de prioridades de “quality time” a dois…. No sábado, uma paragem para almoço em Avila Beach (em autêntico dia de verão com sol maravilhoso), passagem por Santa Barbara e descanso em Santa Clarita foram motivos de sobra para que o fim de semana se tornasse mais agradável. E assim foi! A companhia e o fim de semana foram ótimos, enriquecedores e únicos.
O Onésimo – sempre ele –, atento e carinhoso, interrompeu-nos o pequeno almoço para passar-me uma quantidade de saudações e mensagens de solidariedade de amigos do Prof. Mayone Dias que desejavam associar-se à comunidade de Artesia na homenagem ao seu amigo e colaborador, Dr. Eduardo Mayone Dias. Não tinha papel nem caneta para anotar a lista de nomes de gente que queria também dizer “presente” e associar-se à homenagem. Enviou por E-mail… às prestações — muito ao seu estilo — para não esquecer ninguém…
Por volta das duas da tarde, a Elisa chega com o pai ao local, Artesia DES. Ainda sentado no carro, Mayone Dias esboça um sorriso. Com algum esforço devido à sua debilidade física e a minha descoordenada ajuda e da Elisa acomoda-se na cadeira de rodas. Graceja que já há mais de 300 anos não nos encontrávamos. Pouco a pouco aproximam-se dele amigos e conhecidos que carinhosamente o saúdam e lhe dão as boas vindas a uma casa que já não frequenta há vários anos. As manifestações de apreço e carinho são contínuas (inclusivamente da nossa comum amiga, a viúva de Abel Alves). Todos o acarinham e recebem como se fosse um membro da comunidade de Artesia que se ausentara temporariamente. Mayone Dias personifica o académico que soube conviver com a sua comunidade, colaborar com ela e ganhar para sempre a sua admiração. Pena ele e alguns outros – poucos – serem uma exceção!
Ao entrar na sala manifesta o seu contentamento por ter comparecido e pela amizade de tanta gente conhecida. Segreda-me que está muito feliz por poder falar português, língua que já não fala há mais de um ano: “em casa só falamos inglês e espanhol!”. “Já me faltam as palavras quando me expresso em português", acrescenta. Eu reitero que isso é apenas falsa modéstia, porque ele mantém a eloquência, como sempre o conheci.
A comunidade foi chegando aos poucos e no início do almoço eram mais de 200 pessoas na sala.
Ao corpo frágil e moldado à cadeira de rodas contrapõe-se uma delicadeza sem par, uma mente sem lapsos e um sentido de humor que não desvaneceu com o passar dos anos.
Já tem muita dificuldade de audição e também de vista: "Para escrever no computador tenho de usar um tamanho de letra enorme. Recebo o “Tribuna” e o “Portuguese Times”, mas já apenas consigo ler os títulos…"
Pergunta-me se o José Rodrigues e Cota Fagundes lá vão estar. Gostaria muito de agradecer pessoalmente aos dois o que fizeram por ele e pelo seu livro.
Durante cerca de 2 horas inquiriu e reviveu momentos com o Onésimo, Lélia, Vamberto, Diniz Borges, Décio Oliveira, Manuel Bettencourt, Pe. José Ferreira, Heraldo da Silva, José Luís da Silva, Manuel Adelino Ferreira, Adalino Cabral, Eduardo Eusébio, Carlos Almeida, o vice-cônsul Bettencourt, João Luis Medeiros, Fernando Dutra, Eduino de Jesus e tantos outros…
Na medida do possível, vou dando notícias de todos e cada um… Recorda com humor uma ida a um hotel com o Onésimo para encontrar o Eduino de Jesus e ao aproximar-se da receção o Onésimo pergunta ao funcionário: "Has Jesus arrived yet?”
Recorda Carlos Almeida e a biblioteca J.A. Freitas, lamentando que "as nossas bibliotecas, em poucas décadas, se possam transformar em museus!…”
Leio-lhe no meu telefone a carinhosa mensagem da Lélia. Fica muito satisfeito e pede que lhe agradeça em seu nome e lhe peça desculpa por não a contatar.
De seguida leio-lhe uma mensagem do Onésimo e o “post” do facebook do Vamberto. Esboça um sorriso de contentamento e gratidão por ser recordado.
Conta-me que perdeu o contato dos amigos, muito por culpa própria, das suas limitações, do estado de saúde da esposa e do seu computador que, de vez em quando, lhe prega “partidas”…
A solidão parece doer-lhe na carne: “…já não tenho amigos, ninguém me visita, ninguém já passa lá por casa…. Há muitos anos que vivo assim”.
Mesmo nesse contexto de doce lamento, não lhe falta o humor: “Sabe, já fiz 90 anos. Dizem que com o passar dos anos vamos perdendo três capacidades muito importantes: 1° – A memória; 2° (pausa)… já me esqueci!…"
Ele não comeu e eu mal provei o delicioso almoço. Não quis perder a oportunidade de absorver cada uma das suas palavras e poder satisfazer a sua curiosidade sobre os amigos, que recorda com nostalgia.
Apresentamos os seus livros ("Memórias de um Burocrata Invisível” e a segunda edição da "The Portuguese Presence in California” com tradução de Diniz Borges e Katharine Baker – uma edição de 2,000 exemplares que Portuguese Heritage distribuirá gratuitamente às camadas jovens da comunidade luso-americana) com muita simplicidade. O Mayor de Artesia agracia-o com um Certificado de Apreço da Câmara Municipal.
Num breve comentário final o Prof. Mayone Dias agradeceu emocionado a todos pela presença e pela amizade, exclamando que aquele tinha sido um dia especialmente feliz para ele, apesar de o não merecer.
A Elisa ficou surpresa com o número de pessoas presentes, apercebendo-se de quanto o pai significava para os portugueses da Artesia e da Califórnia, apesar do seu afastamento desde há vários anos.
Este foi também um dia muito feliz para a Judite e para mim e para a família de voluntários da Portuguese Heritage Publications.
Um abraço a todos
Tony Goulart