Eduardo Campos: réquiem para um homem de bem
por Anna Ramalho
O problema não é agosto. O problema é a crônica má sorte do Brasil. É muito azar para um país que carece enormemente de novas e promissoras lideranças perder uma figura da envergadura política e pessoal de Eduardo Campos, cuja trágica morte enlutou a nação e privou uma família digna de comercial de margarina de seu patriarca. Até ontem, às 10 e pouco da manhã, os Campos daquele casarão familiar no bairro Dois Irmãos, zona norte de Recife, eram a perfeita definição de Leon Tolstoi na célebre abertura de “Anna Karenina”: “Todas as famílias felizes são iguais.” A partir de então, passam a integrar a continuação do texto: “As infelizes o são cada uma à sua maneira.”
O que será deles agora? O que será deles quando passar toda essa comoção?
***
Sou uma romântica incurável. Quando ainda muito menina, lá por volta dos 12, 13 anos, li um romance de Pearl S. Buck, “Retrato de um casamento”. Nele, a americana filha de missionários, que viveu grande parte de sua vida na China e ganhou um Nobel, contava a história de uma feliz vida a dois. Não me lembro de maiores detalhes, mas jamais me esqueci de que a mulher, em determinado momento, acordava enlaçada ao marido, como sempre dormia, para encontrá-lo morto. A partir daí, desfiava pungentemente suas recordações de toda uma vida com suas alegrias, tristezas, lutos, nascimentos, vitórias, derrotas, percalços – a vida,enfim, de todos nós.
Penso em Renata Campos. A mulher sempre presente, a companheira, a cúmplice, a confidente. Relembro o acurado perfil escrito pela jornalista Daniela Pinheiro para a revista Piauí, que li há pouco mais de mês. Penso em como ela terá acordado hoje. O lado do companheiro vazio na cama de casal. Alguns segundos para aquela mulher de mente prática ( intuo isso, pelo que li sobre ela) realizar que o amado, seu namorado desde os 13 anos, o homem com quem jantara de mãos dadas no derradeiro tête-à-tête no restaurante do hotel da orla carioca apenas duas noites antes, estava para sempre fora de seu alcance físico. Dói demais. É devastador, arrasador.
Lembro de minha mãe, que também teve esse despertar, há tantos e tantos anos atrás. Meu pai morreu com 47 anos, deixando para trás a filha de 2 anos, eu, e minha mãe ainda grávida de minha irmã, que nasceu 6 meses depois. A leoa chorou, sofreu, mas não se abateu. Teve o cuidado de não usar luto cerrado, como mandava a etiqueta da época, para não traumatizar a filha que apenas acordava para o mundo. Tocou a vida – e tocou-a brilhantemente. Como tenho certeza de que a Renata Campos fará. Ela tem a prole pra terminar de criar, amparar, consolar, ser pai e mãe, a dupla jornada de quem fica sozinha. Tenho certeza de que ela dará conta de tudo. Nessa reportagem da Piauí, perguntada como seria se chegasse a primeira dama, disse textualmente: “Pode ser curioso saber quem é a mulher que teve 5 filhos de parto normal, 5 filhos do mesmo marido, não pinta o cabelo, e tem uma profissão.”
Mulher de fibra. Mulher valente. Vai dar conta do recado perfeitamente. Adoraria que se candidatasse no lugar do marido. Quem sabe? Coragem não lhe falta. Meu coração também está com Ana Arraes, mãe de Eduardo. Não é justo uma mãe enterrar seu filho – e, no caso de Eduardo, enterrar também as suas esperanças, o seu otimismo, aquele ar sempre tão animado, os olhos azuis-esverdeados tão abertos e atentos para a vida, aquele ar de menino que nunca deixou de tomar banho, escovar os dentes e se perfumar. Eduardo era um homem limpo. Em todos os sentidos, pelo que li e observei nesses últimos tempos.
Não votaria nele, mas isso é outra história. Não votaria nesta eleição. Quem sabe no futuro? Eduardo, como o deputado Luiz Eduardo Magalhães também tão prematuramente falecido em 1998, eram lideranças de futuro, para o futuro deste país infeliz que está dominado e sitiado pelo que há de pior em todos os níveis. Os jovens políticos, quando morrem, se encarregam de jogar ainda mais sombra sobre o incerto futuro das crianças do Brasil. Temo por minha neta, minha Bela Antonia, a caminho de seus 11 anos; pela sobrinha-neta tão querida, Alice, que faz 3 no mês que vem. Rezo por elas e pelos demais jovens brasileiros – hoje especialmente aqui representados por Maria Eduarda, João, Pedro, José e o pequenino Miguel Campos. Tenho que me agarrar na minha Fé. É o que faço nos momentos de incerteza e indefinição.
Descanse em paz, governador Eduardo Campos, no colo de Nossa Senhora. Daí de cima, da sua estrela cintilante, torce por nós que aqui estamos no sofrimento e na ansiosa expectativa.
Nota: Anna Ramalho é colunista do Jornal do Brasil, criadora e editora do site www.annaramalho.com.br e cronista.
A crônica em epígrafe tem autorização de Anna Ramalho para sua publicação no Comunidades.
Originalmente foi publicada no dia 14 de Agosto em seu site.