Correio dos Açores – Nome, naturalidade, cidade e país onde reside?
Chamo-me Eduíno Moniz de Jesus. Nado nos Arrifes, mas criado em Ponta Delgada desde 1 ano de idade. Vivo em Portugal, em Lisboa.
O Primeiro livro que leu?Quando sentiu o chamamento para a escrita?
Foi um romance do Ponson de Terrail. Mas não uma das mirabolantes aventuras do terrível Rocambole que fi zeram a popularidade do autor. Era, antes, uma das suas primeiras histórias de amor, bem mais ao jeito das minhas adolescentes inclinações românticas. Era, antes, uma das suas primeiras histórias de amor, bem mais ao jeito das minhas adolescentes inclinações românticas. Chamava-se Dragonne et Mignonne. Perguntar- me-á como me terá vindo à mão um tal autor antes da Condessa de Ségur. Não sei. Devo tê-lo surripiado da estante da minha irmã mais velha, que era quem lá em casa lia romances franceses. Aliás, a Condessa de Ségur, passei- a depois muito por alto, como a seguir o Salgari e afi ns, e o próprio Jules Verne. Como se, digamos, tivesse pressa de chegar a essa saudosa literatura que depois vim a saber que se designava romântica. Acho que comecei a consumir dessa literatura precocemente, ainda antes de distinguir bem entre o Herculano do Eurico e o Campos Júnior do Guerreiro e Monje.
Quando sentiu o chamamento para a escrita?
Não me lembro de o ter sentido. Olho para trás e é como se sempre tivesse estado lá… De facto, comecei a inventar histórias e a escrevê-las ainda em criança. Chamava-as romances. Eram ilustradas. Ainda conservo algumas dessas brincadeiras infantis, assim como outras, já pretensiosamente literárias, da adolescência. As restantes, alguns amigos, quando deixei de vez a ilha, quiseram fi car com elas, como recordação. Obviamente que acabaram por lhes dar descaminho.
Na escola primária era habitual ter boas classifi cações nas redacções?
Não me lembro de todo. Lembro -me muito da minha escola primária, de que tenho saudades e uma imensa gratidão pelo que lá aprendi, mas não sei se o meu jeito para a redacção foi ali apreciado. Sei, isso sim, é que tive um grande professor da 1º à 4ª classe, o Senhor Resendes, cuja memória ainda venero, e recordo que os meus rivais nesse nível de estudos eram um rapazinho chamado Moura, que veio a ser o emérito Eng.º Eduardo Moura, hoje bem conhecido aí em Ponta Delgada, e um outro chamado Xavier, por extenso. José Augusto Xavier, que morreu médico muito conceituado em Évora não há muito tempo. Rivais, digo, não nas redacções, mas no saber em geral. Os três revezávamo- nos na glória de sermos classifi cados o primeiro da classe nas chamadas colectivas. Ostentávamos o título até sermos derrubados do pedestal numa das seguintes chamadas do mesmo género.
Há algum livro dos seus que gostaria de reescrever?
Sim, todos. Embora não creia que valesse a pena, se o objectivo fosse fazer uma edição definitiva de algum dos meus livros. Sim, eu havia de gostar de os reescrever, todos, de qualquer maneira. Que mais não fosse, para os “despiorar”, como costumava dizer o escritor Tomaz de Figueiredo da revisão dos seus livros. Reescrevê-los incessantemente, edição após edição, sim, gostava. Se bem que isso seria para mim um verdadeiro trabalho de Sìsifo.
Quais os livros que publicou?
De poesia, publiquei nos anos 50 três livros: Caminho para o Desconhecido, Coimbra, Col. Arquipélago, 1952 (há uma edição francesa abreviada): O Rei Lua, Coimbra, ed. do Autor, 1955; e A Cidade Destruída Durante o Eclipse, Coimbra, Coimbra Editora, 1957. Destes três livros fez-se uma 2ª ed. selecta e revista no volume Os Silos do Silêncio, acrescida de uma selecção de “Inéditos e Dispersos” datados de 1948 a 2004 (Lisboa, Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2005). Esta antologia tem prefácio de António Manuel Couto Viana e posfácio de Onésimo Teotónio Almeida. De teatro apenas publiquei uma comédia em 1 acto, intitulada 5 Minutos e o Destino, em separata da revista Açória, Ponta Delgada, 1959. Tenho outras inéditas, mas nenhuma publicável no estado em que as deixei. De livros que organizei e prefaciei, cito apenas o da obra poética de António Moreno (P.e José Jacinto Botelho”, a antologia de poemas de Armando Côrtes-Rodrigues, uma selecção de cantigas ao jeito popular de Virgilio de Oliveira e a primeira colectânea poética de Madalena Feirin, cada um com estudos críticos. Escrevi também não poucos prefácios para livros de autores portugueses continentais. Destes permito-me destacar um de poesia de Natércia Freire e três de António Manuel Couto Viana, um de poesia, um de teatro (o seu teatro completo) e outro de ensaios (sobre poetas açorianos). Tenho também vários ensaios em obras colectivas assim como poesias em muitas antologias em Portugal e no estrangeiro.
Um livro de um escritor açoriano de que gostaria de ter sido o autor.
Não gostaria de ter sido o autor de nenhum livro de outro escritor, açoriano ou não. Isto não quer dizer que não ache suficientemente bons muitíssimos livros. Meu Deus!, como não acharia? Quero dizer é que não me reconheceria – não sei sequer imaginar-me, sei lá! – autor de outros livros a não ser dos meus. Seria como andar por aí metido num belíssimo fato do melhor tecido e do mais impecável e fashionable corte, mas não talhado à minha medida.
Como se relaciona com outros escritores?
Pela minha parte, muito bem. Todavia, nunca pertenci a grupos literários, senão ao do Círculo Literário de Antero de Quental pela transição do meio século XX, em Ponta Delgada, com o Jacinto Soares de Albergaria, o Fernando de Lima, o Fernando Aires, o Eduardo Vasconcelos Moniz, o Rui-Guilherme de Morais, o Mário Barradas, etc. No Continente, primeiro em Coimbra e depois, para sempre, em Lisboa, no tempo em que ainda as vanguardas formavam grupos em volta de uma revista, de um qualquer projecto colectivo, ou simplesmente convergentes em ideias ou estéticas, eu mantive-me sempre à margem, colaborando com um ou outro desses grupos, mas sempre de fora, como franco-atirador. No entanto, fiz grandes amigos e amigas em alguns desses grupos, assim como na praça livre das artes e das letras.
Pensa enriquecer como escritor?
Já enriqueci, e muito, como escritor. De uma riqueza que não rende nos bancos nem tem preço na bolsa, mas que, por outro lado, também não nos pode ser tirada, e que não se gasta nunca, que até aumenta quanto mais usada. Não falo de fama, distinção social, reconhecimento em certos meios, dessas coisas que luzem em sociedade, mas de que, aliás, não partilho. Na verdade, nem sei bem de que riqueza estou a falar, mas só que sinto que sou rico disso, o que quer que isso seja.
Que livro nunca recomendaria?
Qualquer dos meus.
Que livro gostaria de deixar e que ainda não escreveu?
Quando o escrevesse saberia.
Jornal Correio dos Açores
15 de Abril de 2010