A bonita cidade de Ponta Delgada na Ilha de São Miguel, uma porta aberta para o mar, foi palco do Encontro de Escritores, Tradutores e Divulgadores da Literatura Açoriana, realizado na Universidade dos Açores de 24 a 27 de outubro, sob o tema: ”Escritas Dispersas. Convergência de Afectos”. A ousada iniciativa teve a competente organização da Direção Regional das Comunidades e da Universidade dos Açores que reuniu escritores, tradutores e divulgadores da literatura açoriana. Nomes expressivos das comunidades da migração espalhadas pelo mundo, nomes ilhéus, nomes de outras paragens que com seu trabalho são referenciais na difusão do saber, da escrita açoriana. Uma demonstração clara da reafirmação de atenção que a Direção Regional das Comunidades e Universidade dos Açores têm dispensado aos que labutam com talento na escrita criativa, divulgam essa produção literária e são mestres no ensino dos saberes como explicita o programa do evento em sua página vestibulanda.
O fim de semana prolongado até a segunda-feira foi um tempo curto para o muito que se tinha a partilhar, dar a conhecer e debater sobre a realidade da literatura açoriana de quem, sob a inspiração do imaginário açoriano, escreve, cria, ensina, edita e divulga.
O cenário não poderia ser mais propício para abrigar um evento tão singular do que a exuberância paisagística da Ilha Verde. Uma composição de cores, de sons, de cheiros, emoldurado pelo mar profundo, cavado, lápis-lazúli a envolver a negra areia e pelos muitos tons de verde das elegantes criptomérias, das pastagens entrecortadas por muros de pedras entrelaçados por hortênsias, cordões de miçangas azuis, iluminadas pelo sol. À noite, a suavidade da lua crescente em sua trajetória prateada no céu insular, completava o cenário de encantamento e pura magia.
Por dois dias, num clima de informalidade, a comunicação fluiu franca, rica, abundante e o diálogo aberto e plural aconteceu em torno de questões relacionadas com o fazer e o saber literário.
Se o objetivo era “juntar aqui gente que se identifica com o imaginário açoriano, que andarilha por tempos e lugares que têm a presença dos Açores, que reconhece que o mundo se arredonda com os seus pequenos espaços”, a troca efetiva de experiências que se processaram por este breve período de tempo, mas intensamente vividos, fizeram convergir talentos, saberes, paixão, aparentemente dispersos em seu caminhar muitas vezes solitário por este mundo de Deus.
O enfoque Escritas Dispersas e Convergência de Afectos, de algum modo, se aproximam e as palavras da Directora Regional das Comunidades, Dra Rita Machado Dias e do Reitor da Universidade dos Açores, Professor Doutor Avelino de Menezes, deram a tônica da sua relevância ao ato de criar e propagar, onde quer que estejam, por trilhas da açorianidade, termo cunhado por Victorino Nemésio, em 1932, com palavras lapidares: “Como homens estamos soldados historicamente ao povo de onde viemos e enraizados pelo habitat a uns montes de lava que soltam da própria entranha uma substancia que nos penetra. A geografia, para nós, vale outro tanto como a história (…)” como esta citação que bem expressam a “alma do ser-se açoriano”.
Cerca de oitenta convidados entre escritores, tradutores e divulgadores oriundos do Canadá, Estados Unidos, Brasil, Espanha, Portugal Continental, Irlanda, Alemanha, Letônia e das Ilhas Açorianas participaram do encontro “Escritas Dispersas. Convergência de Afectos”. Cada um, dentro de sua especificidade, deu a sua resposta, oferecendo a sua contribuição valiosa para um tema comungado por todos que ali se uniam no desejo de discutir e partilhar as suas realidades e anseios futuros.
Na arquitetura das Mesas de Trabalho foram oferecidos temas instigantes: ”Porque escrevo?”; “Afectos de escritor: tempos, espaços, palavras, pessoas”; “A tradução dos Afectos: desespero e criatividade”; ”Ensinar a escrita/ensinar o (a) escritor (a): como a quem e porquê”; “Artes e técnicas da divulgação”; “O que ler?” Provocantes. Exigiam respostas, questionamentos, reflexões. Esboçavam sonhos possíveis. Falavam de projetos reais e de seus resultados. Falaram com alma e deixaram o espírito açoriano flanar livre e solto desejosos de aproximação em ritos de cumplicidade e descobertas. Nas mesas e na platéia um desfile de gente que carrega a Ilha dentro de si, nas suas entranhas, que deixa transparecer no olhar a comunhão telúrica com o mar e traz na pele o sabor do sal. “Porque se nasce numa ilha o mundo é todo ilhas” escreveu José Martins Garcia in: Signo Atlântico, (1984).
Sim, escritas dispersas, mas por artérias da convergência de afectos de muitas vozes de distantes geografias, artífices da palavra escrita, que ali se encontraram numa resposta a um desafio do passado e, agora, um desafio do amanhã – o de criar, traduzir, divulgar a Literatura Açoriana.
Florianópolis, 1º de novembro de 2009
Ilha de Santa Catarina
Nota:Sobre o Encontro Escritas Dispersas.Convergência de Afetos, ver http://videos.sapo.pt/6nGTD4K14s9OUiMPti3E
fotos de Marcelo Passamai e da autora