Dezembro chegou apressado e com ele o espírito do Natal caminha pelas ruas da cidade decorada e feericamente iluminada. Tudo reluz, os monumentos, praças, ruas, casas, árvores e até as pessoas no seu andar apressado, correndo contra o tempo, ficam mais iluminadas, como se a luz tivesse o dom de tocar a alma, de invadir o coração, cicatrizar feridas. Ainda ontem chorávamos a catástrofe que desabou sobre Santa Catarina causando perdas irreparáveis a nossa gente vitimada pelas intensas chuvas e desabamentos. Uma tempestade que com fúria e sem dar trégua por cinco dias atingiu e flagelou o território catarinense, ceifou vidas, deixou milhares de desabrigados. Em segundos, em meio à enchente e deslizamentos foram carregados pela força das águas ou soterrados os projetos de vidas, os sonhos e a esperança. O Dilúvio no qual submergiram parte do litoral catarinense e o vale do Itajaí ficou para trás. Secadas as lágrimas é hora de seguir em frente com a força e a coragem nascida na dor e fortalecidos pelo sentimento de solidariedade que floresceu nos jardins dos nossos irmãos.
O vento da esperança empurrou as nuvens de ontem, brilha o sol da nova manhã, um mar de esperança espelha o céu azul cintilante e um arco-íris imenso, num grande abraço, se derrama sobre a terra Catarina numa sinfonia de cores e tons luminosos. Isso faz lembrar os dezembros de minha infância quando olhava o céu tingido de púrpura ao cair da tarde e ouvia minha mãe dizer que o céu se preparava para celebrar a vinda do Menino Jesus. E a natureza também, pois até os campos vestiam uma enorme saia de chita, uma profusão de margaridinhas amarelo-ouro, as flores de maçanilha, anunciando a chegada do Natal. Imagens que se dissiparam nas vaporosas brumas de fantasia da menina e na imensidão do tempo da mulher. E "o tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo…" escreveu o poeta Mario Quintana.
Outra vez disperso, a memória volta a se intrometer na vida presente trazendo fatias de afetos da minha existência de um jeito muito gostoso. É a magia do Natal que me envolve, entra de roldão no meu coração. Mergulho no espírito natalino e deixo-me levar por ternas e queridas lembranças das tradições de Natal da minha terra que o tempo aproxima e trato de retê-lo só um bocadinho.
Então é Natal!
Ano após ano, sempre igual e sempre especial na repetição de um ritual milenar que celebra a chegada do Deus Menino. O ponto de partida é a preparação da casa, manter acesa a vela da guirlanda do Advento, levantar a árvore, montar o presépio. Do armário são retirados caixas com os enfeites, guardados e esquecidos por doze meses. Passo a passo, enfeita-se o pinheiro relembrando histórias passadas e recontadas a cada Natal. A seguir, a montagem do presépio – pastores, ovelhas, jumento, vaca, reis magos, camelo, estrela e anjo anunciando a chegada do Deus Menino na humilde gruta de Belém. Armar o presépio sem esquecer que a imagem do Menino Jesus só é colocada na manjedoura na véspera de Natal e que os Reis Magos chegam a seis de janeiro, como reza a tradição do litoral catarinense.
Nosso Natal é assim: têm cheiro e cor de verão, de mar, de sol, de chopinho gelado, de pele bronzeada, dourada, de água de côco. Frio ou gelado só o sorvete, de todos os sabores tropicais. Uma delícia! Tão diferente do Natal Branco, coberto de neve do hemisfério norte.
Um aroma inesquecível de canela, de cravo, de frutas secas toma conta da casa, das paredes, misturando no espaço com os sons das vozes cristalinas e impregnando a pele. Na cozinha, cheiros, temperos e sabores, a azáfama compartilhada na preparação dos sequilhos, doces e o bolo de Natal feito com mel e frutas, receita de família, rabiscadas num velho caderno que passou de mão em mão, acrescida com pitadas de amor no correr da vida.
A casa toda cheira mel, fecho os olhos e devaneio…
"Os seus pensamentos viajavam para muito longe, chegavam aos vibrantes pátios do passado, ao imperturbável movimento das fronteiras", fala o poeta Eduardo Bettencourt Pinto no poema Cântico.
Corro descalça ao "pátio do meu passado" em tempo de ver a "oma Emma", com seu avental branco, bordado em ponto de cruz, retirar do forno um fumegante "Frucht Brot", o presente mais esperado por toda família.
O cheiro de Natal ficou pra sempre como a marca do carinho que a "oma Emma" usou em suas receitas criativas e os raminhos de pinheiro que ela usava para decorar e que não posso deixar de citá-los. Pois, com certeza, ela não perdoaria tamanho descuido. Anoto no velho caderno de receitas "a pitada do amor", lembrança do ingrediente mágico da sua cozinha e como um rito de passagem – sentir-se viva e amar sem conta até a nossa falta mesma de amor. Porque o amor é a essência da receita do bem viver. Sentimento que não se dispersa, não existe pela metade, sente-se por inteiro.
À meia-noite façamos um brinde à vida, no abraço forte e num grande beijo pra fazer valer a pena todos os votos de um Feliz Natal!
Florianópolis -Ilha de Santa Catarina
Dezembro 2008