Entre Vozes e Imagens: A presença das imagens cinematográficas nas múltiplas vozes do romance português (anos 70-90) de Anabela Branco de Oliveira
Entre Vozes e Imagens projecta a presença inequívoca do cinema na memória estética do escritor e a indiscutível relação dialógica entre literatura e cinema; analisa a projecção da polifonia romanesca no seu paralelismo com o texto fílmico, a objectivação, no narrador, de um olhar inevitavelmente cinematográfico e a fundamentação de uma dualidade estética inerente ao estudo da imagem literária e da imagem cinematográfica.
Na inevitabilidade dialógica deste olhar, a estrutura polifónica do romance português (1970-1990) constrói-se, literariamente, na simbiose entre vozes romanescas e imagens cinematográficas, e confere à Imagem o poder máximo da existência intelectual e da criação estética. O poder máximo da criação artística, o diálogo entre o cinema e a literatura, a suprema forma de liberdade e a projecção literária de duas décadas de um país que se construiu Entre Vozes e Imagens.
“A polifonia óptica permite a constante sucessão e metamorfose de imagens. A imagem visual trabalhada, movimentada, relatada e sobreposta transmite uma outra imagem: a que se estrutura na construção do imaginário…
No documento fílmico e no documento ronanesco, as imagens lidas que outras imagens nos transmitem? Que imagens nos dão acerca do Outro? Como é que o Outro é transmitido, transcrito e visualizado? Como é que cada documento deturpa, limpa, constrói ou destrói imagens no espírito humano? Servirão elas para detectar, num intenso nevoeiro, a nitidez da nossa própria imagem”? (na contracapa)
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“Em Entre Vozes e Imagens, era uma vez um país… (capítulo III), a autora conjuga o confronto de vozes e de imagens romanescas e cinematográficas, na interrogação da imagem do Outro e fundamenta a dualidade estética da Imagem, na construção identitária do documento romanesco e do documento fílmico. Vozes e imagens, essenciais, específicas e paralelas, confrontam-se na procura da imagem do Outro. Projectam movimentos de vivência colectiva que questionam a amálgama da transição revolucionária, num país onde a imagem do Outro se torna absolutamente crucial. O corpus romanesco analisado e o filme Underground de Emir Kusturica transmitem imagens de ditadura, de revolução, de contacto com o exterior e de desencanto. Justificam as mesmas escolhas, as mesmas dúvidas, as mesmas procuras e os mesmos objectivos na análise da Imagem. Submetem-se aos mesmos confrontos e questionam, do mesmo modo, a concepção de imagem transmitida por Platão, na Alegoria da Caverna. Este paralelismo justifica a divisão temática do capítulo, comprova o percurso dialógico dos dois documentos e o carácter cinematográfico e literário da Imagem.
Uma caverna, uma cave, um écran, um Estado Novo denuncia o sistema de manipulação de imagens durante o regime totalitário, apresenta as imagens provocadoras do “orgulhosamente sós” salazarista e identifica os que resistem à manipulação, procurando novas imagens.
Uma libertação, uma explosão anunciada, a Revolução dos Cravos projecta as imagens e as vozes da revolução na consciência política da exaltação, da dissidência, da dúvida reticente e da interrogação.
O Sol, a luz da Lua, um outro filme, o regresso do Outro e a morte do orgulhosamente sós constata a profusão das novas imagens e apresenta a absoluta necessidade de absorção da imagem do Outro. Na irreversível existência do Outro, na abertura espontânea, inevitável e obrigatória ao Outro, tornado mais acessível, recusa-se a acepção platoniana da imagem e projectam-se as hipóteses de relação com um Outro que é, simultaneamente e paradoxalmente, admirado e aceite (“filia”), adorado e exageradamente absorvido (“mania”), violentamente recusado e ostracizado (“fobia”) e continuamente vítima de contraditórios estereótipos.
Em As cavernas que voltam, a consciência das imagens repetidas, o desencanto revolucionário, interpreta-se o violento confronto das imagens provocadas e permitidas pela revolução. Apresentam-se as vozes da estagnação e da não-mudança, constata-se o regresso de imagens já consideradas esquecidas e eliminadas e justifica-se a eclosão do desencanto revolucionário, definido na adulteração das imagens previstas […] Este ensaio é fundamental na estruturação de um novo olhar que marca, tal como diz a autora, a inevitável presença do cinema na literatura. É um novo olhar para os textos, uma nova leitura, uma nova e criativa forma de estudar o romance”. Maria da Felicidade Araújo Morais
Anabela Dinis Branco de Oliveira é docente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Doutorada em Literatura Comparada, orienta a sua pesquisa científica no âmbito dos estudos interartes, nomeadamente das relações dialógicas entre literatura e cinema.