ENTREVISTA de JOÃO DE MELO
(de ISABEL AVEIRO)
– Quanto tempo viveu nos Açores? Hoje, quantas vezes lá vai por ano?
R – Levantei ferro dos Açores, para vir estudar no continente, no fim da instrução primária. O que significa que foi lá, na minha ilha de São Miguel, que acordei para o mundo, que o imaginei, que aprendi a conhecer e a amar os seres e as coisas – para sempre. Depois, levei anos e anos a regressar nas chamadas “férias grandes”, entre Junho e Outubro, até que a guerra me levou para longe e só me trouxe de regresso nas vésperas do 25 de Abril. Desde então, viajei constantemente (a literatura fez de mim um viajante). Conheço razoavelmente bem todo o arquipélago, sobre o qual escrevi um dos meus livros favoritos, “Açores, O Segredo das Ilhas”, que pretende ser uma réplica ao excelente clássico livro de viagens de Raul Brandão, “As Ilhas Desconhecidas”. Escuso de dizer que me sinto ligado aos Açores pelo caudal dos meus afectos. Mas devo-lhes também o meu imaginário literário, ou seja, a minha imaginação do mundo a uma escala simultaneamente insular e universal (se não for pretensioso da minha parte dizê-lo assim).
– O que o cativa mais na região?
R – Os Açores são um tumulto de beleza, movimento, dinamismo e mitologia. Encontro neles o princípio e o fim do mundo, os livros do “Génesis” e do “Apocalipse”: água e fogo, mar azul e terra verde, costa alta e montanhas, as lagoas nas grandes crateras e aqueles cones vulcânicos embrulhados pelas brumas misteriosas do Verão. Os Portugueses em geral andam a enganar-se com a ilusão de irem conhecer o Paraíso noutras terras, quando afinal o têm aqui à mão. Os Açores são habitados por um povo doce, cheio de espírito e de portugalidade. E o mar de baleias e golfinhos, nas ilhas, é ainda o mesmo que ao navegadores encontraram: limpo, diáfano, bom de sal e de temperatura.
– O que tem de melhor os Açores (pessoas, locais, natureza)?
R – Prefiro ver os Açores como um todo, um conglomerado de gente e paisagem que lhes confere uma personalidade única e que faz deles um destino. São nove ilhas distintas entre si, mas que se complementam numa profusão surpreendente, nunca vista e capaz de nos fazer suster a respiração. Disse um dia que há na minha ilha de São Miguel uma espécie de excesso de beleza: como aquela que vemos em certos museus. Damos por nós a olhar, mas não a ver: não nos é possível absorver tanto. Desse ponto de vista, existe em São Miguel um pouco do muito que as restantes ilhas nos oferecem. Não há que proclamar se esta ilha é mais bela ou menos do que as outra: são diferentes. E essa diferença é a marca emblemática do arquipélago. Nove mundos separados e unidos por um fio de continuidade atlântica, num arco de quase 600 quilómetros e à distância de três continentes: a Europa, a América e África. A origem vulcânica, a humidade relativa e os humores do clima dão como reverso uma natureza exuberante, tão plena e pujante de vida que nos contagia com a ideia da felicidade do mundo.
– Como descreveria a sua terra natal a uma pessoa que nada soubesse sobre o arquipélago?
R – Se quereis ter o mundo todo na mão, numa redoma de azul entre céu, mar e terra, ide conhecer os Açores. Fareis percursos e itinerários à vossa medida. Não se devem pedir demasiados conselhos: nos Açores tudo está patente e escrito sobre o mar. Viajar é descobrir, deixar-se ir, ouvir o chamamento da água e do fogo. Percebereis depressa que o mundo todo é feito de ilhas, algumas das quais têm o nome dos continentes. São Miguel caiu do céu e ficou ali, entre jardins de hortênsias, campos de tabaco e chá, lagoas ao cimo ou a meia montanha e uma extensa cordilheira que sobe do litoral para o alto. Ouve-se o silêncio e os pássaros, lá em cima. E passa uma fragrância perfumada pelas criptomérias, essa árvore exótica, muito bela, que veio do Oriente e que não se deu no continente europeu.
– Qual a melhor altura para visitar os Açores?
R – O Verão, entre Junho e Outubro. Porque a luz do Verão é tão essencial à paisagem como à poesia que mora dentro da nossa cabeça. Além disso, é quando tudo está florido em volta, inclusive nas estradas e nas cercas dos campos.
– Que locais de interesse recomendaria? Que locais são incontornáveis para iniciados?
R – São Miguel possui os seus postais turísticos mais ou menos conhecidos: as lagoas das Sete Cidades a do Fogo, a costa recortada e expressiva, as montanhas, os bosques, os vales profundamente cavados e com ribeiras e matas de incenso, fetos gigantes, araucárias, criptomérias e conteiras em flor. Mas eu sou um curioso dos secretos recantos. A minha paisagem preferida fica um pouco além do Nordeste rural da vila do mesmo nome, a caminho da Povoação. Aí, podemos avistar do alto uma sucessão das Sete Lombas, de uma beleza quase trágica. Outro panorama inolvidável: subir à Lagoa do Fogo a partir de Ribeira Grande: parar a meia encosta, encontrar o miradouro certo e olhar para trás. A gente deslumbra-se com o que vê: uma planície a perder de vista e que é praticamente um terço de toda a ilha ali à mão, com todos os contrastes de paisagem, o mar infinito em frente, o silêncio da terra e os ruídos vindos esparsamente das aldeias e cidades em volta.
– Que eventos/festas identificam o que de melhor têm os Açores?
R – Para quem for religioso e devoto, São Miguel é uma terra de forte espiritualidade. As festas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, em Maio, levam a Ponta Delgada milhares de fiéis e de forasteiros curiosos. E não esquecer os Romeiros que peregrinam a pé, dando a volta à ilha, ao longo da Quaresma. E as festas do Espírito Santo. Mas, paralelamente a esta religiosidade sincera, existe o necessário contraponto de todo um paganismo festeiro que anima a vida.
– Qual é a refeição perfeita num dia passado nos Açores?
R – O famoso cozidos das Furnas (à portuguesa), feito na terra, a mais de um metro de fundura, junto às caldeiras e fumarolas. Na margem da Lagoa do mesmo nome. Mas pode-se comê-lo nos restaurantes e hotéis das Furnas, porque é igualmente honesto e único. Único porquê? Porque os ingredientes e os sabores o são. E porque é feito no vapor lento do subsolo, ao longo de cinco horas de cozedura. Nada como experimentar.
– Se não pudesse ir nunca mais aos Açores, para que outra região viajaria em alternativa? Porquê?
R – Tentaria dar continuamente a volta ao mundo. Certo de que encontraria no vasto mundo, disperso, tudo o que venho enumerando, conhecendo, amando nos meus Açores do coração.
Nota: Entrevista dada pelo escritor João de Melo à jornalista Isabel Viveiro ao Jornal de Negócios
Crédito foto:
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