Rodrigo Sequeira Dias Filipe e António Alves Caetano falam da historiadora açoriana falecida há dois anos
Biblioteca Fátima Sequeira Dias disponibilizará 10 mil livros e 250 caixas de arquivo
A família da historiadora falecida a 7 de Janeiro de 2013, Fátima Sequeira Dias, acredita que a autora do livro “Ponta Delgada – 450 anos de cidade” terá a sua “casa” na cidade à qual sempre se dedicou de corpo e alma. Segundo o amigo António Alves Caetano, que proferiu sobre a mesma uma conferência recentemente, a “Biblioteca Fátima Sequeira Dias” poderá perfilar-se como um núcleo dinamizador da investigação da História Económica e Social, em especial do arquipélago dos Açores, a que consagrou o essencial da sua vida como investigadora e docente”. Para o filho, o arquitecto Rodrigo Sequeira Dias Filipe, “a sua biblioteca, rica em temas tão variados como a história dos Açores, ou a dos Judeus, deveria, preferencialmente, manter-se unida e crescer”.
O que pretende a família da saudosa Professora Fátima que seja a Casa Fátima Sequeira Dias?
Com a criação da “Casa” Fátima Sequeira Dias, pretende-se não só preservar a memória de uma mulher que dedicou grande parte do seu trabalho à história da sua ilha e à evolução económica dos Açores, através do acondicionamento do seu acervo intelectual, mas também poder ar a conhecer a um público mais vasto todo o seu trabalho, tão variado e rico.
Para quando a sua inauguração e onde?
A autora do livro “Ponta Delgada – 450 anos de cidade” terá a “sua” Casa em Ponta Delgada, a sua cidade de sempre. A Câmara Municipal de Ponta Delgada, desde o primeiro momento, tem mostrado muito interesse na preservação do seu espólio intelectual. Para tal, sabemos que o município quer adquirir um edifício a reabilitar para o devido efeito. A inauguração estará dependente da rapidez da execução dos Fundos Estruturais Europeus sobre a matéria em causa, que neste caso será a da cultura.
O que conterá?
O espaço irá reunir todo o espólio intelectual da Fátima Sequeira Dias. São dez mil volumes e mais de 250 caixas de arquivo. Pretende-se, também, uma sala expositiva para mostrar peças e documentos mais importantes do ponto de vista da história dos Açores que estão actualmente em nossa posse.
Para que servirá e para quem estará disponível?
A meu ver, as bibliotecas devem ser vividas. Os seus livros devem ser manuseados. Com a “Casa”, a sua biblioteca deve, acima de tudo, estar aberta ao público. O objectivo deste projecto será facultar um espaço de acondicionamento, de leitura, de convívio e de exposição. Assim, pretende-se que a Casa seja um novo ponto notável, de interesse cultural, na malha urbana de Ponta Delgada.
Esta Casa é um projecto dos descendentes ou era um desejo em vida da mesma?
A nossa Mãe sempre nos disse que os seus livros seriam a nossa melhor herança. A sua biblioteca, rica em temas tão variados como a história dos Açores, ou a dos Judeus, deveria, preferencialmente, manter-se unida e crescer. Enquanto filho, entendi que a melhor forma da sua biblioteca se manter unida e crescer era cedê-la à sua cidade de sempre e, possibilitar a sua leitura aos nossos amigos, vizinhos, colegas e a todos quanto quisessem conhecer um pouco da história das nossas terras.
“Fátima Sequeira Dias legou-nos obra muito valiosa e vasta”, diz António Alves-Caetano
No passado dia 15 de Novembro teve lugar em Lisboa a Conferência anual da APHES . Uma das comunicações foi apresentada por António Alves-Caetano, irmão de Marcelo Caetano e foi dedicada à vida profissional à Professora Fátima Sequeira Dias.
Intitulado “A História Económica dos Açores no pensamento de Fátima Sequeira Dias (1958-2013): breves reflexões sobre a essência da obra legada”, o autor refere neste trabalho que “Fátima Sequeira Dias (FSD) legou-nos obra muito valiosa e vasta. Quando se percorre a bibliografia inscrita no Curriculum Vitae desta professora açoriana, fica-se surpreso pela dimensão da obra produzida. Ao reflectir sobre a intensidade do seu apego ao trabalho intelectual, colhe-se a impressão de ser movida pelo sentimento de urgência, premonição da brevidade da sua presença física entre nós. É impressionante o número de artigos de revista e de livros publicados em pouco mais de vinte e cinco anos. A par de uma investigação criteriosa, realizada sobre fontes primárias – algumas das quais por ela exploradas de forma pioneira – vertida em textos com a densidade própria do saber solidamente adquirido, e em português genuíno, Fátima Sequeira Dias exerceu, também de forma exemplar, o magistério universitário. Fê-lo na sua terra natal, à qual se impusera permanecer fiel, alheada de convites, por mais tentadores, para que, na esteira de tantos açorianos ilustres, se distanciasse do berço. O seu apego ao arquipélago só lhe permitia conceber que a luta pela melhoria das gentes e da terra fosse realizada no território mátrio. E o orgulho que tinha no seu cerrado sotaque micaelense!”.
Ao nosso jornal, o autor desta comunicação referiu agora que “a Prof.ª Fátima Sequeira Dias (1958-2013), apesar da sua curta carreira como professora catedrática e investigadora de História Económica e Social, deixou obra muito valiosa, e vasta. A comunicação que apresentei no Congresso da APHES é, apenas, uma introdução ao estudo aprofundado que o espólio científico que nos legou merece. A sua envergadura científica é de molde a concitar, com o decorrer do tempo, o interesse de estudiosos empenhados em iluminar as múltiplas facetas em que se distinguiu, pela originalidade das temáticas e das metodologias, como pela clareza expositiva, em que refulgia a limpidez com que tratava a língua portuguesa”.
A Associação Portuguesa de História Económica e Social (APHES) foi fundada em 1980, sob os auspícios do Prof. Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011), vulto maior desta especialidade em Portugal. Os principais continuadores da Associação têm sido os seus discípulos, que o acompanharam na fundação. A APHES realiza um Congresso anual que constitui, em Portugal, o principal fórum em que se apresentam e discutem os resultados de investigações, neste domínio, a nível internacional. Os Encontros anuais da APHES são muito concorridos, nele se apresentando investigadores de todo o mundo, o que determina a necessidade de várias sessões, em simultâneo, nos dois dias que lhe são consagrados.
Pioneira em Portugal da História Empresarial
“A Prof.ª Fátima Sequeira Dias era um elemento fundamental na vida da APHES. Pertenceu aos seus Órgãos Sociais, integrou a Comissão Científica em vários dos seus Congressos anuais e foi a organizadora de dois deles, realizados na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada, em 1997 e em 2006, que ficaram memoráveis. As participações que tinha nestes Encontros foram sempre marcantes, a vários níveis. Na qualidade das comunicações que apresentava, na acutilância e a-propósito das intervenções nos debates, no superior desempenho das presidências de sessões. E na alegria que punha em tudo o que fazia. Conheci a Prof.ª Fátima Sequeira Dias nos Congressos da APHES, sem que fosse difícil aperceber-me do extraordinário da sua qualidade como cientista e pessoa. Foi por ser reputada especialista de História Empresarial que lhe pedi para me orientar num projecto que acalentava: escrever a História da Companhia de Seguros FIDELIDADE, no século XIX. A forma franca e entusiástica como acolheu o meu pedido permitiu a aproximação de que resultou elaborar dois volumes, editados em 2000 e em 2002. O conceito em que a obra é tida radica no seu superior magistério, na modernidade da marca que lhe conferiu. Pelo tempo fora foi-se cimentando uma amizade fundada n
o respeito mútuo e no bem-querer, com consequências benéficas no labor científico. Como deixei escrito no ensaio apresentado na APHES, era permanente o apoio recíproco nas investigações realizadas”, refere o autor da comunicação, salientando que “como o texto que elaborei procura evidenciar, a obra legada pela Prof.ª Fátima Sequeira Dias é multifacetada e merece estudo aprofundado em todas as áreas que contemplou. É considerada a pioneira em Portugal da História Empresarial. A dissertação de doutoramento que apresentou em 1993 – nesse domínio – obteve prémio mundial, conferido pela Associação Internacional de História Económica, de entre todas as dissertações apresentadas no quinquénio de 1993-1997 nos 36 países que integram a International Economic History Association. As teses distinguidas foram a sua e a de um doutorando da Universidade britânica de Oxford. Os elogios que recebeu do Júri que lhe atribuiu o grau de Doutor “com distinção e louvor” iam no mesmo sentido de ineditismo do trabalho apresentado e da exploração de material arquivístico de elevada exigência. O texto por si apresentado foi considerado paradigmático para a História Económica Portuguesa. No prefácio do respectivo livro, editado em 1996 – antes de ser conhecido o prémio que lhe foi atribuído pela IEHA – foi escrito “trata-se de um marco na história económica dos Açores e do mais destacado trabalho de história empresarial portuguesa”.
Vou aludir, apenas, a mais uma das importantes facetas da investigação realizada pela Prof.ª Fátima Sequeira Dias: a do feminismo. Outra eminente historiadora, a Prof.ª Eugénia Mata, que lecciona na Faculdade de Economia, da Universidade Nova de Lisboa, considera que os artigos publicados numa Revista dos Açores e reunidos, em 1995, no livro Escritos sobre a História das Mulheres, constituem o marco fundador desta temática, pela profundidade da análise sociológica e pelo rigor expositivo e diversidade das matérias abordadas”.
Ponta Delgada: a fiel depositária do espólio
Segundo António Alves-Caetano, “o que se prevê venha a ser a “Biblioteca Fátima Sequeira Dias” não é mais do que tentar projectar para o futuro o que seria o seu labor científico (e docente) se lhe tivesse sido permitido atingir o momento da jubilação académica. Esta é a minha interpretação, pessoal, do propósito perseguido pela sua Família, em que se destaca o empenho do filho Arquitecto Rodrigo Sequeira Dias Filipe e a determinação e coragem da Prof.ª D. Mariana Sequeira Dias, sua Mãe. Com o inestimável apoio de uma devotada Amiga, em muito pouco tempo ficou organizada a sua biblioteca pessoal, composta por mais de dez mil títulos, e o seu espólio científico, acondicionado em duzentas e cinquenta caixas. A Câmara Municipal de Ponta Delgada – que conferiu à Prof.ª Fátima Sequeira Dias a Medalha de Ouro do Município – vai ser a fiel depositária desse conjunto documental, para ser colocado à consulta pública em edifício, apropriado, do Centro Histórico da Cidade. É muito possível que, já em 2015, a “Biblioteca Fátima Sequeira Dias” se perfile como um núcleo dinamizador da investigação da História Económica e Social, em especial do arquipélago dos Açores, a que consagrou o essencial da sua vida como investigadora e docente. Os últimos tempos da actividade da Prof.ª Fátima Sequeira Dias foram numa Universidade dos Estados Unidos, a recolher material para as inúmeras investigações que previa realizar. É natural que, no espólio disponível na “Biblioteca Fátima Sequeira Dias”, jovens investigadores encontrem condições para evoluir como se seus discípulos fossem. Partindo dos ensinamentos colhidos na sua obra publicada e com a exploração das vias de pesquisa que apontou em vários dos escritos. Como das que emanem do seu legado norte-americano. É neste sentido que prevejo o entrelaçar entre a obra científica de Fátima Sequeira Dias e as futuras investigações ancoradas no espólio cuidadosamente recolhido pela sua Família”, refere.
Mais acrescenta ainda que “a Prof.ª Miriam Halpern Pereira, historiadora desta especialidade, de projecção mundial, lançou o repto à comunidade da História Económica e Social, de não se tardar na preparação de um livro em que a Prof.ª Fátima Sequeira Dias seja devidamente homenageada. São já muitos os colegas que manifestaram pretender elaborar ensaios que integrem esse livro. O usual, nestes casos, é ser a Universidade em que o homenageado leccionava, ou a Faculdade ou Departamento a que pertencia, a promover essa homenagem. Estamos convictos de que estará a haver, já, movimentações neste sentido nos órgãos próprios. Um jovem docente da Universidade da Madeira, o Prof. Paulo Miguel Rodrigues, colega da Fátima na APHES, afirmou não saber se, alguma vez, os açorianos irão perceber a dimensão da sua ausência. Mas, rematou: “Oxalá a saibam honrar, como merece”. Felizmente, tudo aponta nesse sentido”.
Ana Coelho
Nota A Autora. ANA COELHO é jornaista e trabalha no Correio dos Açores e Atlântico Expresso. Muito competente integra a equipe de jornalistas do Expresso Atlantico