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Em Creta, com o Minotauro,
sem versos e sem vida,
sem pátria e sem espírito,
sem nada, nem ninguém,
que não o dedo sujo,
hei-de tomar em paz o meu café.
Jorge de Sena
Jorge de Sena (1919 – 1978)
Entrevista de Jorge de Sena concedida a Leite de Vasconcelos em 19 de Julho de 1972
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Jorge Cândido de Sena, poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário, nasceu em Lisboa no dia 2 de Novembro de 1919. Segundo relata no seu conto Homenagem ao Papagaio Verde, teve uma infância recolhida, solitária e infeliz, o que fez com que se tornasse introspectivo, observador e imaginativo. Fez a instrução primária e os primeiros anos do liceu no Colégio Vasco da Gama. Concluiu os estudos secundários no Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho. A sua infância de filho único é marcada pelas expectativas que o pai, comandante da marinha mercante, alimenta para ele como futuro oficial da Armada, em confronto com a educação musical que a mãe procura proporcionar-lhe.
Em Setembro de 1937 ingressa na Escola Naval como primeiro cadete do “Curso do Condestável”, mas vicissitudes diversas da viagem de instrução no navio-escola Sagres ditam a sua exclusão da Marinha em Março de 1938. Jorge de Sena acaba por se licenciar em Engenharia Civil (1944) pela Universidade do Porto, trabalhando na Junta Autónoma de Estradas de 1948 a 1959, ano em que se exila no Brasil, receando as perseguições políticas resultantes de uma falhada tentativa de golpe de estado, a 11 de Março desse ano, em que está envolvido.
A alteração da situação democrática no Brasil, com o golpe militar de 1964, faz temer um regresso ao passado, quer em termos políticos quer em termos de dificuldades económicas, mas em 1965 surge a oportunidade de se mudar para os Estados Unidos, com Mécia de Sena e os seus agora nove filhos.
A obra de Jorge de Sena vasta e multifacetada, construída no seu longo exílio coexistiu com a sua actividade de docente e investigador universitário no Brasil, onde reforçou também a sua acção cívica como opositor ao Estado Novo.
Jorge de Sena foi co-fundador da Unidade Democrática Portuguesa, de cuja direcção se demite em 1961, e integrou o conselho de redacção do jornal Portugal Democrático, até 1962, participando ainda em actividades do Centro Republicano Português, de São Paulo.
Uma vez nos Estados Unidos, a actividade cultural de Jorge de Sena fica restringida aos círculos académicos e da emigração. Depois do 25 de Abril, Jorge de Sena ficou entusiasmado e queria regressar definitivamente a Portugal, mas sem qualquer proposta de trabalho, decidiu continuar a viver nos Estados Unidos, onde tinha a sua carreira estabelecida
RTP por Luís Ramos actualizado às 12:31 – 02 Novembro 2010
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Amor
Amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor como não amam
os que de amar o amor de amar o amor não amam.
Jorge de Sena, in Metamorfoses, seguidas de Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena, 1963