De repente, Santa Catarina ocupa os vídeos de todo o Brasil, com sua “porção” europeia, sua paisagem alpina, suas árvores tingidas de branco, o espetáculo da neve transformando turistas em crianças, todos desempenhando o lúdico exercício de fabricar bolas de neve para “atirar” ou para formar o “nariz” de um boneco.
Os raros hotéis da frágil infraestrutura de São Joaquim amanheceram lotados, e os de Lages ficaram de stand-by, pegando uma caroninha no frio. O turista nem exige muito, basta um quartinho aquecido e uma modesta fogueira para aquecer os ossos, “lareiras” improvisadas com nó de araucária.
Os Catarinas ficam orgulhosos com essa imagem de Primeiro Mundo, a nevasca caindo com gosto, os telhados caiados de branco, alguns muito inclinados, formando ângulos abruptos, como nas casas europeias, para que a neve não se acumule na cumeeira. Faz parte da “arquitetura” do frio: telhados formando agudos tobogãs para que a neve escorregue suavemente, sem a “raiva” de uma avalanche.
O Brasil inteiro “brincou” com as imagens que a tevê mandou para o espaço, a neve saudada como uma praga benfazeja, perdoado, claro, o paradoxo. A neve se “pressente” bem-vinda e desejada, não se considera uma praga do Egito. Ao contrário: sendo pouca e rara, “ela” só traz alegrias e o “charme” de transformar, por alguns dias, Santa Catarina numa espécie de Suíça brasileira.
Então, desfilamos todos em nossas telinhas com os nossos anoraques, pulôveres, nossas peles postiças – para que se cumpra a Bíblia ecológica –, e caprichamos em nossas poses de Doutor Jivago e Lara, criaturas que se amaram nos invernos nevados da Rússia do escritor Bóris Pasternak.
Onde haja um facho de luz, um rasgo de sol, lá estarão os homens e as lagartixas. E naquelas esquinas onde bate o sol, os homens se permitem menos rigor nas indumentárias, desprezando o poncho, ou, à noite, o pelego. Há várias gradações de frio, entre eles o “siberiano”, do qual já escapamos, ficando com o frio mais ameno, que convida a um vinho tinto e deixa as faces das moças afogueadas, predispostas, talvez, ao amor sob as cobertas, que nada tem de pudico, mas de “fogoso”.
O solzinho fraco alumia as esquinas e, mesmo anêmico, alcança ao longe o perfil das montanhas, cujo púbis revela, entre “calcinhas” de nuvens.
Ah, meu reino pelos velhos e previsíveis invernos de antigamente! Meu reino por uma lagarteada ao sol, só pra aquecer os ossos, evitando que a “friash” transpasse minha espinha, como uma eólica adaga.
Meu reino por noites estreladíssimas, saudadas por uma taça de vinho cor de rubi. Meu reino por um último lance de tainhas – tardio, embora – nestas noites frias do luar de agosto
Ainda bem que esse sol de inverno, brando, mas presente, ainda não se deixou contaminar pela atmosfera eleitoral. De graça, sem receber qualquer propina, o sol fez sua gloriosa aparição no domingo dedicado aos pais, e os olhos da humanidade se sentiram gratificados pelo espetáculo de luz que se desprendeu do firmamento.
Ainda bem que as neves, ou este querido solzinho de inverno, não estão sujeitos a uma “emenda constitucional” ou à Comissão de Orçamento do Congresso.
Esquiando coluna abaixo, convido a leitora, o leitor, a uma taça de vinho tinto, talvez um “Casillero del Diablo”, conquanto o vinho, as neves e os invernos sejam uma coisa de Deus.
Deixo, aqui, o meu caloroso abraço, com o qual arremato estas notas do frio.
(*) escritor catarinense e um dos mais festejados cronistas brasileiros.
Crônicas publicadas no Diário Catarinense e aqui reproduzidas com a autorização do autor.
Nota: imagens de São Joaquim Online