A ideia de criar um tema com o título desta exposição surgiu quando, depois de ler a crónica “O encontro” (mais um desencontro na minha opinião) me lembrei de que tinha tirado uma fotografia com dois vultos que se cruzam sem se encontrarem. Decidi então ir em em busca de outras fotografias que me pareciam irradiar o ambiente que envolve a obra de Lobo Antunes. A minha intenção não é, todavia, ilustrá-la, mas dialogar com ela.
Em geral, não fotografo pessoas nas, quando o faço, é por fazerem parte de uma dada composição. Mas aqui as pessoas fotografadas sem qualquer intenção específica transformaram-se nas personagens (vozes), quase sempre solitárias, imbuídas de tristeza e melancolia, que imagino saídas dos livros do Lobo Antunes.
Escolhi imagens com um ambiente luminoso mas, ao mesmo tempo, sombrio, como uma lembrança ou um presságio (parafraseando o poeta e artista plástico brasileiro Zuca Sardan), que captei em cenas retiradas do quotidiano.
Com as mais abstractas, vermelhas, pretendo representar poeticamente a memória omnipresente em Lobo Antunes, ora vaga, volátil, fugidia, estilhaçada, ora impenetrável, imprevisível. Um vazio a preencher sempre de novo.
Fachadas, paredes, janelas, que gosto de fotografar pela sua geometria, sugerem algo que se encontra para além delas, por detrás delas, o mistério das vidas que escondem. São cenários possíveis para histórias por contar.
Já várias pessoas me disseram que achavam a minha obra é paradoxal. A princípio, estranhei este atributo, mas, de facto, mais do que mostrar a realidade à superfície, procuro penetrar na realidade invisível por detrás dela que exprime justamente o contrário do que está à vista.
Ana Carvalho