INTEMPORAL DE ALHURES (excertos)
Os fios de luz
que atravessam
a clarabóia do Porto
vêm de alumiar
o espesso casario lisboeta.
É um aguaceiro de sol
inundando o país,
de Alfama à Ribeira.
Portugal tem um «soslaivo»
de amor e perspicácia.
Lembra a história anónima,
só com o nome das coisas,
mas sem memória
do objectivo delas.
Meus amados pais,
que estais em todo o lado,
sei que também sois
pintores de «florinsectos»,
nas horas imortais.
E de baías, como
Angra da Liberdade
– não importa quando
– que a seja sempre!
Teceis, com fibras
longas e doutas,
a libertação do espírito,
intercalada por
farrapos de neblinas
e veios eléctricos,
os mais «sentíveis»: os invisíveis.
E a mudança
nos preceitos de pecados
e virtudes
que permanece impermanente?
O mesmo, numa
habitação pobre da
Fajã d’Além,
onde vive
o eremita analfabeto que,
todavia, escreve pegadas
no orvalho de S. Jorge.
Como no Corvo, de
resto, onde as casas
albergam uma
penúria afortunada e
a fechadura encerra
apenas o que é p’ra dar.
Mas o mundo não
acaba no infinito.
É lá que começa,
quando o vento cata
os cabelos da ilha preta,
à procura do tesouro esquecido –
o pensadoiro –
no entrecortar da
passarada, peixes
voadores e destinos.
Peregrinos.
A semente é tudo
o que sobra do começo,
no resumo fértil
da eternidade ingénua.
Fátima Madruga
Inédito