O DRAGOEIRO
Vi o dragoeiro
num alfarrabista
era um livro velho
com fotografias
mas no preto e branco
o tempo pusera
nódoas azuladas
retrato escurecera
cor de marfim
indo-português.
Resto de nobreza
mil e quatrocentos
vi-o nos Açores
junto à Madalena
torto ressalgado
quase japonês
maresia cozendo
as lenhas do veio
tronco afligido
de onde retiravam
escudelas de rei
o sangue de drago
na tinta dos fatos
a cor das mezinhas
tão triste abandono
heráldica rota
serôdias magias
alguém inda compra
nesta vil Europa
sangue de dragão?
Por isso te digo
não deixes roubar
mais seiva nenhuma
agora só serves
nas mercearias
pacotes tão sujos
que dão às galinhas.
Fátima Maldonado,
Lava de espera, Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2014
Fátima Maldonado (1941), jornalista, poeta, natural da freguesia de Santo Amaro, Sousel, Distrito de Portalegre, trabalhou em Lisboa onde reside.