Fazendo o dever de casa num Ano que começa atropelado…
Lélia Pereira da Silva Nunes
Da minha varanda olho a Avenida Beira Mar. Trânsito engarrafado dia e noite. Tem sido assim desde dezembro quando levas de turistas foram chegando para as festas de final do ano, para a temporada de verão no litoral catarinense e nas quarenta e duas praias da Ilha de Santa Catarina. São, principalmente, gaúchos, paulistas, paranaenses, uruguaios e argentinos, dobrando em muitos milhares a população da Ilha, colorindo a cidade com a mistura de sotaques que faz de Florianópolis um dos grandes destinos turísticos do Brasil. Muito sol, muito calor, muita gente. Lotação esgotada. Há quem defenda até a criação de um “cartão residente” dada a imobilidade urbana e o total comprometimento das infraestruturas de saneamento, luz e água, transportes públicos e, ainda, o elevado custo de vida.
A aflição de ver a cidade cercada e o ilhéu cerceado no seu vaivém cotidiano, não é maior do que a certeza de que 2014 começou atropelado. Isso longe está de ser uma figura de metáfora. Afinal, 2014 não é apenas o ano da Copa do Mundo no Brasil é, sobretudo, um ano eleitoral. No outubro vindouro, o brasileiro vai às urnas eleger o Presidente da República, membros do Congresso Nacional e da Assembléia Legislativa e mais vinte sete Governadores dos Estados e do Distrito Federal. O circo está armado em função desses dois acontecimentos que abraçam o País do futebol e o Brasil maravilha que se apresenta na corrida eleitoral.
Decidi abrir o ano fazendo o dever de casa. Não, não se trata do célebre “ano novo, vida nova”. Nada disso. Trata-se da minha inquietação com o efetivo apoio à produção literária, à difusão do livro e ao maior estímulo à leitura com a realização de projetos que desenvolvam o hábito da leitura ou a paixão de ler.
Infelizmente, a situação atual não é nada confortável. Nossos índices de leitura são baixos. É preciso com urgência absoluta mudar este cenário desolador. Basta verificar os últimos resultados do “Pisa” (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes) – que mede a cada três anos, o desempenho escolar dos estudantes de 15 anos de idade, dos países membros da Organização para a Cooperação e De¬senvolvimento Eco¬nô¬mico/OCDE e de seus parceiros, nas áreas de matemática, ciências e leitura. O Brasil ficou na 58o posição entre os 65 países participantes. O que não surpreende, haja a vista a inépcia do sistema educacional brasileiro. Não cabe agora, buscar culpados, muito menos crucificar os alunos com perversas elucubrações. Pois, com certeza, se há um culpado não são os alunos.
O Brasil de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Jorge Amado e Carolina Maria de Jesus – a catadora de papel que revolucionou o mundo das letras e cujo centenário do nascimento celebra-se neste ano – ficou com a 55ª posição do ranking de leitura. Pioramos em relação aos anos anteriores. Ou seja, quase 50 % da moçada que, com facilidade, domina as novas tecnologias de comunicação, o universo virtual e vive conectado é ruim de leitura, de interpretação de textos, não consegue dominar a Língua Portuguesa.
Se algo necessita ser feito, que cada um faça a sua parte e contribua para ombrear esta melancólica realidade. Walcyr Carrasco, o autor da trama “Amor à Vida” que diariamente chegava aos lares brasileiros de todas as classes, pelo visto tem paixão por ler ou resolveu fazer do folhetim global uma bandeira para estimular o hábito da leitura. Numa atitude incomum, os personagens comentavam a leitura de um livro e referenciavam o seu autor. Por curiosidade, anotei: Sabedoria Judaica, Arnaldo Niskier; 1899, Laurentino Gomes; Sargento Getúlio, João Ubaldo Ribeiro; Fim, Fernanda Torres; O que realmente importa, Anderson Cavalcanti; Solidão no fundo da agulha, Ignácio Loyola Brandão e Dom Quixote, Miguel Cervantes.
Vivo mergulhada em leituras, estou sempre escrevendo e publicando aqui e acolá. Todavia, creio que esta tarefa vai além do escrever sobre um autor e sua obra. Inclui assumir atitudes, fomentando projetos inovadores e realizando uma vigorosa e persistente difusão da criação literária.
Falar, comentar, dialogar sobre o prazer da leitura ou sobre a saída de um novo livro. Temos um desfile sem fim de nomes da literatura dos catarinenses e da literatura dos açorianos a serem divulgados. Lidos. Recomendados. Vozes de diferentes histórias, pensamentos e gerações que se aproximam pelos caminhos do mar, que navegam de lá pra cá e de cá pra lá.
Só para dar o arranque, quero citar e recomendar, veemente, alguns livros que estão na minha mesa neste momento. Edgar, do grande mestre Eduíno de Jesus. Dois contos preciosos na sua carpintaria literária. Integra a “Colecção Um Conto” da Seixo Publishers ,2013.Quando os bobos uivam : Fogo, espionagem e outros mistérios q.b., Lisboa, Clube do Autor, SA, 2013, de Onésimo Teotónio Almeida. Impagável. Quem conhece o grande contador de histórias que é Onésimo Almeida não pode deixar de ler este livro, onde a realidade e a ficção se encontram (ou não). Mas, o autor, no seu melhor, afirma no posfácio que “A arte, muitas vezes, não vai além de uma pálida imagem do que a vida é capaz de inventar.” Casa de Máscaras, São Paulo, Iluminuras, 2012, de Péricles Prade, um virtuose da pena, da linguagem sedutora, da poética iluminada, “poesia de sutil transcendência” segreda Silveira de Souza. Tragicomédias d’Alcova, Florianópolis, Conceito Editorial, 2013 de Edson Ubaldo. Divertidos contos de alcova, uns imaginados, outros insinuam veracidade. Todos narrados com elegância, picardia e o bom humor serrano que caracteriza a sua literatura deliciosa. O Reino dos Esquecidos, Florianópolis, Insular,2013, romance histórico de Mario Morais que fascina o leitor na urdidura de seus personagens habitantes do mundo imaginário de Bravatá, sociedade idealizada, sonhada, liberta, parida no Sul do Brasil onde milhares de açorianos construíram o seu admirável Mundo Novo.
Vocês já leram algum desses livros? Não? Não sabem o que estão perdendo.
Afinal, o meu dever de casa está apenas começando…
Ilha de Santa Catarina,
Janeiro de 2014.
Nota publlicado originalmente na coluna pedra de Toque,nos jornais Açoriano Oriental e Portuguese Times em fevereiro,2014.