Fé, religiosidade e tradições
Estamos em 8 de Dezembro. Em muitas localidades dos Açores, à semelhança do que acontece um pouco por todo o mundo católico, celebra-se hoje a festa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, profundamente arreigada na tradição popular. Se no dia 15 de Agosto, o culto a Maria se multiplica em dezenas de invocações, que vão desde a Senhora da Assunção, dos Anjos, da Ajuda, da Guia, da Saúde ou dos Milagres, como acontece na ilha do Corvo, neste 8 de Dezembro regista-se a uniformidade onomástica em torno da prerrogativa bíblica da concepção sem mancha, daquela que foi escolhida para Mãe do Redentor.
Desde o seu Santuário, numa das mais belas colinas da cidade de Angra, o primeiro santuário mariano erigido nos Açores, no tempo de D. Aurélio Granada Escudeiro, até à mais humilde paróquia, passando, com brilho e esplendor pela Igreja de São Sebastião, Matriz de Ponta Delgada, três conceitos diferentes, mas perfeitamente conciliáveis, se congregam neste dia: Fé, religiosidade e tradições.
E qualquer destes conceitos encerra em si motivos mais do que suficientes para se fazer festa. Por vezes, as manifestações de religiosidade podem não ser sinal de Fé, que é algo bem mais profundo e que leva a que aquilo em que se crê não fique apenas pelo acreditar teórico, filosófico ou teológico, mas tenha consequências práticas na vida de cada dia. Mas, quando as manifestações religiosas derivam do crer, mais do que da tradição, aí temos campo para ser sinal de uma presença diferente no mundo de hoje.
Será redundante dizer que hoje são precisos sinais exteriores. Mas é preciso que se diga que as tradições não devem ser mantidas apenas porque são tradição, mas sim porque fazem sentido em qualquer tempo. No caso concreto dos Açores e particular de Ponta Delgada e de outras cidades e Vilas, o culto à Imaculada Conceição foi misturado, ou se calhar, com maior propriedade, “embrulhado” na comercialização do Natal. E foi-o de tal forma que para muitos, o feriado (em vez de dia santificado) ficou conhecido por “Dia das montras”. Como em todas as coisas nada é imutável e, se há alguns anos atrás, era nesse dia que se dava arranque às vendas de Natal, hoje, no final de Outubro tal já acontece e o Natal que é apenas um dia ganhou um círculo comercial de três meses, se calhar perdendo muito do impacto e da força anterior.
Por isso dizíamos que para quem tem fé, as tradições, tendo o seu lugar, não podem ofuscar nem sobrepor-se ao verdadeiro espírito das celebrações. E neste aspecto, a religiosidade do povo açoriano dá grandes lições, mantendo intactas muitas das formas de louvor a Maria, já que, abaixo do culto do Divino Espírito Santo que une todas as ilhas, o culto Mariano, tão querido dos Franciscanos a quem se deve muita da base religiosa das nossas comunidades, é dos que mais marcam a vida nas ilhas. A maioria dos templos dos Açores é dedicada a invocações marianas, desde Santa Maria ao Corvo e as suas celebrações espalham-se um pouco por todo o ano, com especial incidência, agora, em Dezembro com a Imaculada Conceição, em Fevereiro com a Senhora das Estrelas, mais tarde em Maio com a Virgem de Fátima e com novo ponto forte em Agosto, com a Senhora da Assunção!
Não se pode esquecer, e os mais velhos ainda terão saudades disto, que era neste dia 8 de Dezembro que se celebrava o Dia da Mãe que, para satisfazer a vontade de separação religiosa, foi levado para Maio para criar mais um momento de comércio. Mas hoje, muitos açorianos sentem que a maternidade de Maria é espelho sublime do mais belo que temos na vida: a nossa Mãe! Para todas elas, aqui ou na outra dimensão da existência, um olhar e um carinho especial neste dia!
Santos Narciso (*)
(*) Jornalista, Diretor – Adjunto do Correio dos Açores e Atlântico Expresso. Publicado hoje no Correio dos Açores, dia 8 de Dezembro dia dedicado à Nossa Senhora da Conceição.