FERNANDO PESSOA, MENINO,
NO SEU PASSEIO EM ANGRA
Senhora de muitos dons, de muitas prendas,
que sabe tricotar conversações brilhantes
em pontos de Francês, Inglês, Alemão,
D. Maria Madalena, há bem pouco chegada
de Durban e Lisboa,
sai da casa paterna, em passeio matinal,
a recobrar lembranças da infância e juventude.
Não vai porém sozinha: acompanhada, sim,
de Fernando (Pessoa), o seu filho menino.
A cidade é pequena, reclinada
à beira-mar, diversamente histórica,
de muitos heroísmos carregada.
E Fernando (treze anos) pergunta mais e mais,
que tudo quer saber. A mãe responde,
evocando figuras, apontando os lugares.
João Corte-Real, donatário de Angra
(que alguns afirmam precursor de Colombo nas Américas);
outros do mesmo sangue, também daqui seguiram,
buscando as terras verdes do Norte Ocidental.
Vasco da Gama e quantos, na sequência,
Foram à Índia e por aqui voltaram.
Nas águas da baía acolhedora
Dir-se-ia haver… recados de outras eras:
um rebrilhar de luzes submarinas,
talvez sinais de malogrados capitães
de navios naufragados.
A menos que se trate justamente
dos tesouros de Filipe de Espanha, segundo de seu nome,
— ouro e prata —, no México e no Peru arrebatados,
em galeões altíssimos trazidos,
por corsários famosos cobiçados:
um Francis Drake, ou mesmo o Conde de Essex.
Após a resistência a rendição.
Agora um forte, filipino abraço de pedra escura,
fortaleza maior do mar Atlântico,
aperta para sempre aquele monte,
a suave pesínsula estrangulada:
Prisão de um fraco rei, Afonso VI,
E do régulo vátua Gungunhana.
Nas ruas amplas da cidade
parecem ressoar ainda os passos
decisivos
das tropas liberais de Pedro IV.
Com elas vai Garrett, soldado, militante
da Liberdade,
porque na ilha Terceira, sua pátria adoptiva,
venerada desde a infância,
sentiu a vez primeira a voz da Poesia.
Angra do Heroísmo,
com sua arquitectura harmoniosa,
regorgita de festas
consagradas ao Divino Espírito Santo,
com seus “impérios” coloridos
e touradas à corda.
Tudo tão vivo, e afinal tão nosso!
E o menino Fernando parece aborrecer
A vitoriana ambiência de Durban, longínquo desterro.
Recebe então do além-tempo a secreta Mensagem
de cantar Portugal e os seus destinos.
NORBERTO ÁVILA
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* Sobre o Autor: NORBERTO ÁVILA nasceu em Angra do Heroísmo, Açores, a 9 de Setembro de 1936. De 1963 a 1965 frequentou, em Paris, a Universidade do Teatro das Nações. Criou e dirigiu a revista Teatro em Movimento (Lisboa, 1973-75). Chefiou, durante 4 anos, a Divisão de Teatro da Secretaria de Estado da Cultura; abandonou o cargo em 1978, a fim de dedicar-se mais intensamente ao seu trabalho de escritor, de que resultou a escrita de 30 peças teatrais, 3 romances e um livro de poemas.
Traduziu obras de Jan Kott, Shakespeare, Tennessee Williams, Arthur Miller, Audiberti, Husson, Schiller, Kinoshita, Valle-Inclán, Fassbinder, Blanco-Amor, Zorrilla e L. Wouters.
Dirigiu para a RTP (1º Canal), a partir de Novembro de 1981, uma série de programas quinzenais dedicados à actividade teatral portuguesa, com o título de Fila 1.
As peças teatrais de NORBERTO ÁVILA têm sido representadas em diversos países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Coreia do Sul, Croácia, Eslovénia, Espanha, França, Holanda, Itália, Portugal, República Checa, Roménia, Sérvia e Suíça.
(http://www.norberto-avila.eu/poesia.html)