José Maria Ferreira de Castro (1898-1974), um dos escritores portugueses mais traduzidos, considerado precursor do neo-realismo, pelas suas preocupações com as desigualdades e injustiças sociais presentes nas suas obras, foi um incansável viajante e “cidadão do mundo”.
Nascido em Salgueiros, Ossela, no concelho de Oliveira de Azeméis, a 24 de Maio de 1898, emigrou para o Brasil, com apenas 12 anos, em 1911. Aliás, o Brasil assumiu na sua vida e obra um papel determinante. Foi neste país que se «forjou» a sua personalidade, através do trabalho árduo da selva amazónica, no seringal «Paraíso», onde viveu quatro anos, trabalhando duramente na extracção da borracha, como “seringueiro” e depois em Belém do Pará. Foi aí que ele se desenvolveu como ser humano, tendo recebido a semente que o converteu num escritor universal. Estas vivências espelham-se sobretudo nas obras Emigrantes (1928), A Selva (1930) e O Instinto Supremo (1968), que integram a vasta panóplia de romances gerada por este autor.
A Portugal, regressou em 1919, tendo enveredado pelo jornalismo que lhe garantia a sobrevivência, paralelamente à actividade literária.
No entanto, é o olhar de Ferreira de Castro sobre os Açores, delineado em Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (cuja edição em fascículos teve inicio em 1937) que ocupará as seguintes linhas deste nosso texto. Na verdade, este livro de viagens enraizou-se na simpatia do escritor pelos «povos minúsculos, pelas repúblicas em miniatura, por todos os que vivem isolados no planeta” (Pórtico de Terra Fria, p.833)
Nesta obra são delineadas, por exemplo, impressões de viagens por Andorra, visitada em 1929, na companhia de Diana de Lis e também da sua visita à Madeira e aos Açores, realizada já sob o tormento da perda da sua adorada companheira, em 1930.
Nesta esteira, em Pequenos Mundos e Velhas Civilizações, após a descrição das visitas a Cartago, Pompeia e a Irlanda, surgem-nos também as impressões da Madeira e dos Açores.
Assim, aquando da chegada a Ponta Delgada, o viajante revela o deslumbramento provocado pelos jardins, habitados por plantas e árvores da Europa e dos trópicos. Neles evoca o suicídio de Antero ocorrido precisamente num banco de jardim, referindo que “Estes jardins de S. Miguel possuem uma estranha magia, algo enfeitiçado, que liga o objectivo ao subjectivo, o efémero ao eterno, a Terra ao Universo.” (p.292). Deste modo, o espaço encontra-se animizado, imbuído de um “genius loci” sui generis, eivado duma magia particular susceptível de unir os elementos opostos, numa espécie de fusão universal.
Seguidamente, o percurso até às Furnas é descrito detalhadamente, de um modo deambulatório, quase cinematográfico: “Mal saímos da colmeia urbana, em direcção ao vale das Furnas, abre-se, como leque de muitas varetas, o cortejo fugaz dos panoramas.” (p. 293).
Visto que o narrador nunca se despoja da sua “bagagem cultural” cultural e vivencial, a diversidade e novidade da paisagem acendem-lhe na memória não só a realidade de Portugal continental que lhe é familiar (Minho, Vouga), como a estrangeira (a costa vascã, o sul da França e da Normandia). Assim, não apenas a realidade nacional é convocada para contrapor o familiar ao desconhecido, mas também os territórios estrangeiros anteriormente percorridos.
De entre as belezas paisagísticas, despertam-lhe a atenção as hortênsias “que constituem, nos Açores, o mais pomposo verso deste cântico vegetal” (p.294).
Por seu turno, o grande parque onde jaz José do Canto: ” é cortado por áleas de sonho, cenários de D’Annunzio, onde a vontade adormece, tornando-nos voluptuosos e decadentes.” (p.295). Neste caso a literatura, o “silêncio dos livros” (nas palavras de George Steiner) que emerge como aspecto clarificador da própria descrição, através da referência ao escritor italiano Gabriele D’Annunzio (1863-1938).
Porém, não é apenas a paisagem física que impressiona o visitante mas também a humana. É elogiado o carácter tenaz e persistente do homem micaelense que “numa labuta perene, encarniça-se contra a lava até encontrar o húmus criador”, evidencia e enfatiza a sua dura luta para domesticar a natureza (p. 297). E em relação à paisagem natural, salienta o narrador: “O que mais surpreende em S. Miguel é a variedade da natureza, que parece ter querido ostentar, num pequeno espaço, todas as suas faustosidades.”
(cont…)
Imagem de: http://www.planetware.com/i/photo/azores-ilhas-dos-acores-por223.jpg