Nas Velas as festividades do Espírito Santo são ainda hoje anunciadas pelo levantamento do «Pau da Aleluia», que ocorre em Domingo de Páscoa pela manhãzinha e nesse dia se inicia a quadra das festividades que se prolonga até ao Pentecostes e ao subsequente Domingo da Trindade, embora diferindo de lugar para lugar.
Na vertente estritamente religiosa distinguem-se três aspectos que, com pormenores diferenciados, são comuns a toda a ilha: o terço, as esmolas e os bolos, e acoroação.
Quanto à vertente profana destacam-se: amordomia, o carro dos tremoços, o bando, assopas e o arraial.
O terço é rezado ou cantado, em casa do Imperador durante toda a semana que antecede a coroação.
As antigas folias, bailes e cantorias que se faziam por ocasião do terço, e que sempre mereceram forte contestação da hierarquia da Igreja, foram substituídas por jogos, onde os mais usuais eram os do anel e o do soldado,dando qualquer um destes a oportunidade a algum piscar de olho namoradeiro.
Os participantes no terço eram brindados com doces ou massa sovada e licor caseiro às quintas-feiras e aos sábados, sendo no presente quotidianamente.
Hoje: mantém-se o terço mas esqueceram-se os jogos e foram-se os bailes!
Por sua vez, as esmolas têm de comum, independentemente da freguesia ou lugar, a oferenda de pão, carne e vinho. Em uns lugares compete ao Imperador a respectiva doação, em outros através de promessas feitas por pessoas estranhas à Função e, noutros ainda, são doadas pela própria Irmandade.
A par das esmolas, no arraial do Domingo do Pentecostes e no da Trindade, são oferecidos «bolos de véspera» a todos os habitantes da freguesia e forasteiros presentes. Designam-se por tal nome pelo facto de serem distribuídos à tarde, pela hora canónica das vésperas.
O Imperador, a mais alta dignidade na hierarquia do Império ou Função, é aquele que é coroado e na casa do qual permanece a coroa do Espírito
Santo durante toda a semana antecedente.
O acesso a tal dignidade varia de local para local. Nuns é determinado através de sorteio, noutros em função da sua residência, ainda em alguns através de inscrição, quer por promessa que por outra razão. O móbil, porém, é sempre a Fé – o agradecimento ou a súplica!
Antigamente eram os emigrantes os principais voventes das Festas do Espírito Santo. Era essa a quadra em que o maior número de emigrantes regressava em férias à ilha e aqui pagavam as suas promessas através do gasto, recordando as aflições passadas e exibindo a fortuna conquistada em terras do Brasil, do Canadá ou da América.
Sendo as festas do Espírito Santo em S. Jorge aquelas que melhor mostram a partilha e a solidariedade, torna-se difícil distinguir a fronteira entre o religioso e o profano, porque aquele está imbuído de uma certa paganizaçãoe este de um sentido religioso muito profundo.
Contudo, consideramos profanas as manifestações feitas no exterior dos espaços de culto.
Dentro destas manifestações temos as mordomias, que nalguns lugares se iniciam nas quartas ou quintas-feiras anteriores a ambas as Domingas (Pentecostes e Trindade). Também são conhecidas pelo “dia da cozedura dos tremoços” e realizam-se nos lugares que, por tradição, cozem tremoços para serem distribuídos no arraial.
Durante esse dia, e enquanto em grandes bidões, improvisados de caldeiros, são cozidos os tremoços, em quantidade que ultrapassa a centena de quilogramas, é distribuído a todos os transeuntes ou a quem se desloca propositadamente ao local, vinho, pão e queijo em abundância.
Após a cozedura os tremoços são lançados em sacas ao mar para “curtirem”, sendo recolhidos no Sábado da Mordomia para, em carros de bois enfeitados, serem distribuídos a todos os habitantes da freguesia e aos forasteiros que nessa altura visitarem a copa ou copeira, sempre regados de bom vinho de cheiro, massa e queijo.
No transporte dos tremoços para o mar, na sua recolha e principalmente na sua distribuição pela freguesia, utilizam-se carros de bois enfeitados.
Um costume antigo e que hoje se mantém apenas em duas freguesias (Urzelina e Manadas) é a leitura do Bando anunciando a festa, agradecendo os donativos para a mesma e declamando alguma crítica sócio-política. Temos conhecimento que o bando foi também declamado, ainda no século XX, nas freguesias de Santo Amaro, Rosais e Norte Grande e, ainda anteriormente, na Vila das Velas, sendo um dos últimos desta vila escrito pela poetisa Mariana Belmira de Andrade.
Noutras localidades a cozedura dos tremoços não tem qualquer ritual festivo especial e a mordomia só se realiza no sábado anterior ao domingo da festa.
Nesses lugares não falta, porém, o pão, o queijo e o vinho e também … algumas bebedeiras.
Há, porém, locais em que a mordomia é substituída pela distribuição de sopas a quantos as queiram comer.
Nos locais citados e na maior parte das mordomias vive-se a verdadeira partilha já que as pessoas não são antecipadamente convidadas mas o convívio é extensivo a toda a gente presente.
Nos domingos do Espírito Santo e Trindade as sopas são distribuídas em todas as freguesias e lugares da Ilha, sendo nuns locais destinadas a convidados e em outros distribuídas por todos quantos estejam presentes.
Entretanto, as sopas deixaram de ser acompanhadas de carne e galinha assadas, para apenas serem servidas com carne cozida e massa. A sobremesa consta de arroz doce e, nalguns locais, acrescido de doces em que se salienta a espécie e a rosquilha branca, sendo também famosos em Santo António os bolos de coalhada e, noutras freguesias, as rosquilhas de aguardente e, em Santo Antão e Topo, oscoscorões..
Noutros locais as sopas são substituídas por outras ementas, geralmente à base de peixe, em que sobressaem as realizadas na Fajã dos Vimes, Calheta, Biscoitos, etc.
Em algumas localidades, ainda se podem observar, os foliões que, como o bando, foram comuns em todos os lugares da ilha, mas que as filarmónicas vieram paulatinamente substituir.
Eram os foliões que, juntamente com os cavaleiros, transportavam a comida para oImpério e que, na ramada, brincavam e ofereciam o doce.
O arraial á tarde, onde as filarmónicas são imprescindíveis, culmina a festa!
Quando não havia iluminação pública nas freguesias rurais, apenas havia arraiais nocturnos nas Velas, mas mais recentemente já uma ou outra freguesia os fazem, embora sem a afluência que se verifica nas vilas.
Muito mais haveria a escrever sobre a tipicidade das festas do Espírito Santo em S. Jorge, mas o tempo e o espaço não o permitem.
Ficará para outra altura porque, ao contrário do que alguns dizem, e podendo, contudo, terminar nalgumas localidades quase desertificadas, estas festas não têm globalmente tendência a extinguirem-se nos próximos tempos, muito embora venham a sofrer algumas adaptações.
Isto porque a lista de espera para terem o Senhor Espírito Santo e darem o bodo é bastante alargada nalgumas freguesias e, em outras, o sorteio da coroa é sempre ansiado em todas as casas.
Velas,São Jorg
e,Maio.2009
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Legendas/Créditos Imagens:
1 e 3 – Velas,Ilha de São Jorge,2005 e 2008,acervo LéliaP.Nunes
2. Cortejo E.Santo,Velas,Ilha de São Jorge,anos 60,séc.vinte,acervo Família F.Blayer