Francisco, o vencedor de muitas batalhas.
Confesso que não faz muito tempo que tenho o privilégio de chamar o Francisco de “amigo”. Sabia da sua excelência como professor catedrático em Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Massachusetts Amherst, onde leciona desde 1976, admirado por seus alunos e pares. Reconhecido ensaísta, crítico literário, com obras dedicadas à Fernando Pessoa , Jorge Sena, Miguel Torga, Vitorino Nemésio e aos escritores da diáspora açoriana. Sabia muito pouco de si – “a pessoa”.
Na verdade, conheci pessoalmente Francisco Cota Fagundes em Lisboa. Penso que foi num desses Encontros das Comunidades da Emigração (ou algo assim) que a Direção Regional das Comunidades promovia unindo vozes de muitas latitudes tendo em comum os Açores. Terra natal de uns, dos pais e avós de outros e de distantes ancestrais perdidos nos confins do século XVIII, o meu caso.
Lembro até da nossa curta e breve conversa. Falamos do sul e do nordeste do Brasil. Do cordel e de seus poetas. Contou-me que gostava muito de literatura de cordel, uma riqueza da cultura popular brasileira. Logo fiquei sabendo de seu interesse pela narrativa oral e sua representação literária.
Voltamos a nos encontrar em outros eventos literários, congressos, colóquios. Notei que o Francisco (alguns o chamavam de Frankie) era de pouca conversa, sem grandes sorrisos. Como dizemos no Brasil – “ficava na dele”. Observando-o junto a uma malta açoriana concluí que seu ar distante não era soberba, comum a tantos doutores “estrelados” e hifenizados a viverem na América e a carregarem “o rei na barriga”.
Muito logo percebi que o seu silêncio guardava uma grande tristeza, o abatimento constante do indivíduo que vê uma terrível doença minar a vida do dileto filho. Uma luta renhida e uma esperança de vitória todos os dias.
O tempo, prezado Francisco, tratou de revelar o retrato da pessoa admirável que és. Um guerreiro. Um ser humano que soube vencer e realizar sonhos por terras nem sempre da promissão. Impossível não sentir nada ante a tua narrativa nua e crua da realidade tão sincera que desfilas, sem qualquer freio ou pudor, apenas deixando o coração pulsar e a memória ser revisitada livremente na autobiografia – uma crônica monumental que comove-nos por inteiro. A propósito, lembro as palavras afirmativas do saudoso Daniel de Sá no belo prefácio de “No Fio da Vida” ao reverenciar a tua extraordinário história de vida, o teu caminhar : “…se fazemos dele um super-herói, perde-se o valor da sua lição de vida. Por isso, tentemos perceber que estivemos perante uma pessoa. Uma pessoa, simplesmente.
Este mesmo tempo fortaleceu a amizade, criando laços fraternos e de grande estima. Das muitas voltas das nossas vidas há momentos que merecem serem lembrados para avivar a memória, destacar vivências partilhadas e homenagear um amigo.
Por isso, hoje, desde o fim da América do Sul, chego aqui para juntar a minha voz, aos teus muitos amigos colegas, alunos e familiares para um alargado e forte abraço nessa imensa geografia de afetos.
A minha admiração e respeito ao grande intelectual “açoriano da Agualva” e do mundo, Francisco Cota Fagundes, por tudo que realizou na sua vida profissional e no plano pessoal, ao lado da sua mulher Maria Deolinda e de seu amado filho Evan Anthony.
Que sejas sempre abençoado
Lélia Pereira Nunes
Florianópolis, Ilha de Santa Catarina
Brasil
Em 09 de Maio de 2017