Assi, andou Filidor muitos caminhos, caminhou por muitas terras, rodeou muitos reinos, correu muitas cidades, navegou por inchadas ondas, chegou a muitos portos, prometeu e cumpriu muitas romagens, sem poder ter novas do seu Filomesto […] começou a chorar desta maneira:
Ou com o seco frio o sacro Tormes
Detém suas correntes cristalinas,
Ou com ver minhas máguas tão disformes,
De disfavores tantos tão indignas,
Ou por antre si serem tão conformes
As quedas, que ele faz, e minhas ruínas,
Assim as doces águas tem paradas
Por ver as minhas lágrimas salgadas.
Vem a sequiosa ovelha dos outeiros
Decendo, por beber das águas puras,
Sem seu pastor, nem guarda dos rafeiros,
Deixando o mais rebanho nas alturas,
Sem lembrança de ovelhas, nem carneiros,
Enjeitando seus pastos e verduras,
Cuidando beber água com que medra,
Tocando a boca nela, dá na pedra.
Com arrugada fronte, os bravos touros,
Enchendo o monte e vales com mugidos,
Deixando os verdes prados (seus tesouros)
Da gram seca fugindo já vencidos,
E vindo por antre álemos e louros
Beber, se vêem em vão escarnecidos,
Querendo matar sede na água fria,
A dura pedra lambem à porfia.
Ovelha mansa e touro mui cansado,
Por me ver sem favores, que faltavam
De minhas terras nestas alongado,
Fugi dos companheiros que me amavam,
Por provar, sendo absente, ser buscado,
Pois que presente tanto me enjeitavam;
Mas, cuidando cá longe achar brandura,
As brandas águas acho pedra dura.
Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra – V,
Nova ed. – Instituto Cultural de Ponta Delgada, Ponta Delgada, 1998.