Gilberto Gerlach e o retrato histórico-cultural da Ilha de Santa Catarina
Em Ilha de Santa Catarina Florianópolis, 776 páginas ricamente ilustradas, abraçando a Ilha desde fins do século XIX até a primeira metade do século XX, Gilberto Gerlach se dedica na aventura de perquirir o passado de Florianópolis. Busca por todas as fontes, possíveis e inimagináveis, a história cultural e social da nossa cidade. O imenso olhar do esteta se revela na cuidadosa elaboração e seleção de textos em comunhão com a arte fotográfica, a arte plástica, o cinema, os costumes e tradições de uma sociedade e sua efervescência cultural. Não conheço outra pessoa que poderia ter feito melhor, com tamanho empenho, competência e brilho. Gilberto Gerlach reúne com mestria relatos de visitantes, descrições minuciosas, biografias e narrativas a emoldurar fotografias de ontem que são verdadeiras crônicas do tempo ilhéu.
Ilha de Santa Catarina Florianópolis respira arte e técnica proveniente da intimidade de Gilberto com as artes visuais. A arte pictórica, a fotografia, o desenho, postos em toda a sua magnitude e beleza iconográfica, dão a dimensão da relevância do estudo não como “ornamento” da escrita, mas como componente essencial da obra.
Na arte escrita de Gilberto Gerlach as palavras são esculpidas com requinte. Uma escrita espacial cheia de luminosidade, de aromas, de cromacias. Uma crônica pontual, límpida, sem adjetivar, apenas contando histórias e deixando fluir os sentimentos do escritor como no indelével “Trocar de Nome”.
Deslumbrei nomes ícones da literatura e das artes, alguns até agora desconhecidos. Vozes, pensamentos e gerações que Gilberto Gerlach dá a conhecer de forma absoluta. Uma leitura fascinante a começar por “Cai o Pano” na expressão do artista poeta Rodrigo de Haro. Sente-se o pulsar de tudo e de todos. Histórias, reais e imaginárias, tout court significante a descortinar a memória coletiva, singular mundividência de outrora, de hoje e do amanhã do “o mundo-Ilha”.
Caminho pelas ruas de Florianópolis, a cidade que se alonga e abraça o continente fronteiriço em cenários onde a vida se tece. Passeio sem pressa, em passo de procissão. Mergulho nas descrições de Virgílio Várzea em “O palácio do Rei Luiz”; “A Rua Trajano” de Altino Flores; as crônicas de Antônio Sbissa e “Festa na Freguezia da Trindade”- a Festa do Divino Espírito Santo de 1919, de Chico Perereca. Emociono-me ao ler a narrativa de Duarte Paranhos Schutel “Junho 1894 – A Vila Maldita”.
Reencontrei a infância da filha de fotógrafo na riqueza da luz, rasgos de branco, de sépia. Na paisagem, nos retratos de estúdio, de uma beleza extraordinária na definição do gesto, na pose elegante e suave, na luz reveladora do rosto ou, ainda, nos cartões postais e nas Cartes de Visite. Os olhares dos fotógrafos Konrad Goedner, Alberto Entres, Antonio Pirajá Martins, Joseph Ruhland e, sobretudo, Julio Wojcikiewicz mestre de meu pai, que tive o privilégio de conhecer. O resultado é esta obra maravilhosa de Gilberto Gerlach, da Academia Catarinense de Letras e do IHGSC. Uma obra muito esperada e chega como o Vento Sul, num sopro equóreo de espumas tal qual cantou o poeta Cruz e Sousa.
Bem haja!
Lélia Pereira Nunes, Academia Catarinense de Letras.