HARAMBEE
Mário T Cabral, 6 de Abril AD 2014
Harambee é um programa verdadeiramente notável no contexto das ajudas a África. Não parte de uma visão externa, com base em leituras estereotipadas que obrigam a um tipo de desenvolvimento imposto por quem ajuda, ao estilo: “Se fizerem isto ajudamos, se não fizerem, não ajudamos; porque nós é que sabemos e vocês é que precisam.” Os projetos são de africanos, por africanos e para africanos; são apresentados por africanos, de acordo com as suas próprias necessidades, ou seja, não são os cooperantes que vão dizer às populações do que elas precisam – são estas que dizem aos cooperantes do que precisam. Para além disso, os materiais são adquiridos em África, a tecnologia é adquirida em África, os formadores são contratados em África. E há outra vertente que é de valor inexcedível: comunicar para o exterior uma África que não é dos pobrezinhos dos pretinhos tão esfomeadinhos, rodeados de moscas e vítimas de guerras e endemias e corrupção. Em África há pessoas inteiras, com histórias de gente apostada em contribuir para que as nações onde vivem se tornem melhores e mais justas.
Há toda uma arte em ajudar o outro. Primeiro: precisar de ajuda não inferioriza em nada uma pessoa. Ser pobre não é ser menos gente. Não é preciso amesquinhar-se para pedir ajuda. Precisar de ajuda é a condição normal de qualquer ser humano, e mesmo de qualquer ser vivente. Harambee distingue-se no olhar que dirige àquele que lhe pede ajuda: é um olhar de respeito e, até, de naturalidade, pois nada mais humano do que quem pode ajudar ajude quem precisa de ser ajudado. Segundo: quem ajuda não pode cair na tentação, muito comum, de se tomar por superior, com direito a impor os seus critérios presunçosos. Terceiro: quem ajuda não pode cair no avesso do vício anterior, a saber: fingir-se muito magnânimo, não pedindo informações sobre o processo da ajuda – há muita falta de respeito nesta falsa liberdade, tipo: “Pega lá e não me chateies mais; desaparece da minha vista”. Quarto: quem pede ajuda não tem de tomá-la por garantida, vestindo a pele do “coitadinho”; deve, antes, fazer gala em mostrar ser digno de ser ajudado porque é pessoa.
Harambee não é uma ONG; tem uma estrutura muito leve, constituída quase exclusivamente por voluntários, pelo que o dinheiro não se perde na máquina. Aliás, Harambee “não é uma máquina de cooperação”, como se afirma no site português. Desenvolve programas de educação e saúde e, por exemplo, no caso da educação, está mais empenhada em transmitir aos professores africanos o saber pedagógico do que a construir escolas; e, no caso da saúde, não manda para África ambulâncias todas XPTO, mas desenquadradas da realidade local.
Era só o que mais faltava que Portugal não estivesse neste barco, depois duma relação tão marcada com África! A Associação Harambee Portugal foi constituída em Lisboa no ano de 2012, embora já houvesse cá um polo desde 2009. Merece que a ajudemos a ajudar – aí está: a própria Associação pede a nossa ajuda. A vida é isto, e nós estamos a precisar muito disto, nos tempos que correm.
Harambee quer dizer, em swahili, “Todos juntos” e nasceu de uma iniciativa do Comité organizador da canonização de São Josemaría Escrivá, mas não é preciso ser católico para aderir a este desiderato. Certo é que os católicos podem aproveitar este período quaresmal para visitar a página portuguesa na Internet e, com base em mais informação lá disponível, decidirem-se a participar neste “puxar da rede para terra” (contexto do termo Harambee).
Mário Cabral Natural da Terceira, Açores, é Doutor em Filosofia Portuguesa Contemporânea, pela Universidade de Lisboa, com Via Sapientiae – Da Filosofia à Santidade, ensaio publicado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda (2008). Para além do ensaio, publica poesia e romance. O seu último livro de ficção (O Acidente, Porto: Campo das Letras) ganhou o prémio John dos Passos para o melhor romance publicado em Portugal em 2007. Está traduzido em inglês, castelhano e letão. Também é pintor.
Imagem de http://ualr.edu/campuslife/diversity/harambee/