Este é um livro em homenagem ao Professor Carlos Cordeiro, organizado pelo Departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da Universidade dos Açores, com coordenação de Manuel Sílvio Alves Conde e Susana Serpa Silva e execução gráfica da Nova Gráfica.
Não podia haver melhor título para um livro de homenagem a Carlos Cordeiro: História, Pensamento e Cultura: História, porque o Homenageado é uma referência, nos Açores, no todo nacional e a nível internacional, quando se fala de história dos séculos XIX e XX; Pensamento, porque Carlos Cordeiro tocou e continua a tocar várias gerações de alunos, de estudiosos e de cidadãos, com a sua maneira de ver os acontecimentos e de os enquadrar no tempo; Cultura, porque o Professor consegue transmitir conhecimentos, de forma abrangente, multidisciplinar e, acima de tudo, contagiante, como deve ser a verdadeira cultura que não se enclausura em redomas de intelectualidade, mas transborda, ao serviço da sociedade e da partilha do saber.
Como dizem os seus coordenadores, este livro reúne o contributo de inúmeros colegas, tanto da academia açoriana, como de outras universidades, de membros do CEIS20 (Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX), da Universidade de Coimbra, unidade de investigação a que o homenageado pertence e ainda de alguns dos seus discípulos, cujas teses orientou.
Este livro, nas suas quase 600 páginas, está dividido em seis partes, criteriosamente organizadas e que abarcam temas tão importantes como História Política: Portugal entre a 1ª República e o Estado Novo, que ocupa a primeira parte, com nove comunicações de diversos professores universitários; na 2ª parte, quatro participantes nesta homenagem ocupam-se do importante tema da Autonomia, Regionalismo e Questões Etnográficas; Segue-se, na parte terceira, mais quatro estudos sobre Intelectuais Portugueses, ficando a parte seguinte do livro dedicada, em três comunicações, a Temas Pedagógicos; Vozes e Corpos Femininos (V Parte), inclui duas comunicações de sugestivos temas, enquanto que, na última parte do livro, podemos deliciar-nos com quatro trabalhos sobre Teoria da História; Historiografia.
Não é um livro para ler, “de enfiada”. Mas é uma obra preciosa para ir lendo, e saboreando. Cada um dos estudos que a compõem é de leitura agradável e sugestionante, levando-nos, a querer, de seguida, ler outro trabalho de outro interveniente.
Como estamos em 25 de Abril – escolhi propositadamente este dia para trazer a estas Leituras do Atlântico este livro de homenagem ao meu Amigo Carlos Cordeiro – foi minha leitura o magnífico trabalho de Susana Serpa Silva, intitulado Açorianos na Guerra do Ultramar, Memórias no Feminino.
Simplesmente extraordinário. Sei, muito bem, como esta questão da guerra colonial é cara a Carlos Cordeiro, ele que foi combatente no ex-Ultramar e hoje é um apaixonado, não só pelo seu estudo, mas acima de tudo pelo encontro humanizante da geração que cumpriu o seu dever e hoje, na casa dos 60 e setenta anos vive memórias que não podem ser diluídas no tempo.
Cabe, aqui dizer, aliás, que Carlos Cordeiro para além de Historiador, escritor e professor, é um exemplo de cidadania, presente em muitas iniciativas culturais e sociais que seria difícil de enumerar. Complementa tudo isto ainda com o gosto pela música e vive rodeado de música e de grandes intérpretes.
Seja-me permitido dizer aqui, que um dos primeiros contactos que tive com o Professor Carlos Cordeiro, foi precisamente através da música, sempre que ia a sua casa para convidar sua esposa, D. Antoniela, e mais tarde também as filhas, para acompanhar a órgão e com arcos, as missas de festa do pequeno coro que eu regia (e ainda rejo) na Ribeira das Tainhas.
Depois vieram os nossos encontros no jornal Correio dos Açores. E durante muitos meses, em 1995, quando se celebrava o primeiro centenário da Autonomia Administrativa e também os 75 anos do Jornal, acompanhei o Professor Carlos Cordeiro na recolha, selecção e preparação dos textos semanais de revisitação de editoriais e artigos daquele jornal, sobre Autonomia, regionalismo e cultura, que viriam a dar origem ao livro Na Senda da Identidade Açoriana, de consulta obrigatória para que quiser perceber ou aperfeiçoar conhecimentos sobre a segunda campanha autonómica, nos anos vinte do século passado, liderada pelo Correio dos Açores.
Habituei-me a admirar, respeitar e estimar o meu Amigo, Professor Carlos Cordeiro. E há ensinamentos que dele recolhi, que, como jornalista, muito me ajudaram a formar pensamento, opinião e objectividade no tratamento dos assuntos.
Recordo-me, há muitos anos, – era um Primeiro de Dezembro – de termos uma conversa, que depois registei num trabalho publicado no Correio dos Açores, e em que falávamos de história de Portugal. Que história? História de heróis e santos ou história nenhuma? Guardo a resposta do Professor Carlos Cordeiro: “A questão que me levanta tem todo o sentido e é bem actual. Fui formado, na instrução primária e na secundária, numa concepção nacionalista da História. A História, como muito bem diz, de “heróis e santos”, das batalhas de dez contra um, que sempre ganhávamos. Ou, se tal não acontecia, teria sido em resultado de malvadez ou traição do adversário. Mesmo aos 10 anos, na 4.ª classe do ensino primário, tínhamos a convicção que havia qualquer coisa de errado na História de Portugal. Tratava-se de uma história feita a contento da ideologia nacionalista do Estado Novo. Interessava incutir na infância e juventude estas ideias de um Portugal repleto de heróis e santos, com uma superior missão histórica de que os nossos antepassados seriam exemplo a seguir. Ora, do oito passou-se ao oitenta. A seguir ao 25 de Abril de 1974, os programas de História dos diversos níveis de ensino enveredaram pela perspectiva marxista da História. Desaparece a política, é banido o indivíduo como actor da História, para se passar a uma história dos grandes movimentos de massas, das estruturas económicas, da longa duração, etc. A cronologia, as personalidades, a história política foram, em termos gerais, arredadas dos programas. Não se tratou, aliás, de uma situação exclusiva de Portugal. Na década de oitenta, Mitterand ficou furioso quando viu, num manual de História do sistema escolar francês, que a Revolução Francesa era tratada numa só página, ao lado de outra que falava na Revolução Industrial!!! Exigiu uma reformulação urgente dos programas de História”.
Para mim, foi uma lição que ainda hoje perdura.
Voltando ao livro História, Pensamento e Cultura, não posso terminar estas Leituras do Atlântico sem citar Vamberto Freitas, outro Amigo que admiro e estimo, autor da introdução desta obra, que escreve:
Para mim, o Professor Doutor Carlos Alberto da Costa Cordeiro foi também sempre e simplesmente o Carlos Cordeiro, companheiro de estrada, de copo e cigarro na mão quando era tempo disso, de riso e afirmação nas mais diversas conversas, que acabavam sempre dirigidas ao que mais tem movido e comovido boa parte da nossa geração – ser-se açoriano (e como, diria Jorge de Sena num ensaio acerca do seu estatuto de imigrante nos EUA) nas conjunturas históricas da nossa época, a obsessão de desenterrar e entender todo o nosso passado, a nossa relação com o resto do país, o futuro, com os seus mistérios, as suas forças imprevisíveis, que poderá levar-nos, como sempre nos levou logo após a nossa chegada a estas ilhas, às mais distantes geografias-outras, mas provavelmente nunca nos arrancando do território real e imaginário onde a força das raízes são determinantes.
Como me identifico inteiramente com este sentimento descrito por Vamberto Freitas, é com ele que encerro este testemunho, num abraço amigo e grato pela oportunidade que me dá Carlos Cordeiro, com quem agora tenho o gosto de trabalhar na Comissão de Toponímia de Ponta Delgada a que preside, de poder ter e ler este História, Pensamento e Cultura.
Santos Narciso
Publicado originalmente na página "Leituras Atlânticas", do jornal Atlântico Expresso,Ponta Delgada,Açores. Reproduzida com a autorização do seu autor, jornalista José Manuel Santos Narciso,director adjunto do Correio dos Açores.