Na minha ilha não há praias.
Se escreve pelo mar dentro
o doce poema das fajãs
é para que o sol se repouse
do romper dos nevoeiros
no esforço das manhãs.
Se o duro e negro basalto
se desfaz em maternais desvelos
é para que as fúrias do mar
em mimos se desvaneçam.
Se pedras e pedrinhas
enrolam musicais novelos
é para que se desfiem
em vozes e silêncios
o tempo e o mar
e se percam nas estórias
de um falar de amigos.
Se as falésias se erguem
temerosas nas alturas
é para que mais longínquos horizontes
se lhe tornem companheiros.
Entre a minha ilha e o mar
não há rodeios
é como se fossem de mãos dadas
ver passar a coroação
e à lembrança do Senhor
Divino Espírito Santo
quem sabe se para o ano
se a sorte for a favor
não será ela a coroar
e ele será Imperador?
Açorianidade – 40 [“Ilha”, Artur Goulart. “Sr. Corvo Cantos e Danças 1”, Francisco de Lacerda] Artur Goulart de Melo Borges (1937), museólogo, ensaísta, poeta, é natural da ilha de S. Jorge e reside em Évora.