A lançar sementes nas terras do seu país *
Diniz Borges
(professor e escritor,açoriano da Ilha Terceira)
o leitor tornou-se o livro; e a noite de verão
era como a consciência de ser-se do livro.
Wallace Stevens
Um dos prazeres da vida é ler e reler um bom livro. Há outros, evidentemente, mas a leitura é um dos raros aprazimentos da solitude. Pegar num livro e retirar-se para o mundo do imaginativo é refugiar-se num outro cosmos, que alivia o isolamento que cada vez mais afecta o ser humano do pós-modernismo, mesmo, e especialmente, o que está rodeado de gente por todos os lados e a toda a hora. É que a literatura pode não tornar-nos melhores cidadãos, como escreveu o crítico literário norte-americano, Harold Bloom, mas transporta-nos para uma sublimidade única, porque parafraseando Pablo Picasso, só a arte pode, efectivamente, varrer o pó que a repetição do quotidiano nos coloca na alma.
Para que se leiam sentimentos humanos em linguagem humana tem que se ler, como escreveu Harold Bloom : humanamente, ou seja, o leitor com o seu todo. É que conforme nos explica o mesmo crítico norte-americano, todo o leitor é mais do que uma ideologia, inconsequentemente das suas convicções, e para usufruir a obra literária terá, indubitavelmente, de transportar para o acto da leitura o seu todo. Dir-se-á que o criador literário falará apenas à parcela que o leitor quiser trazer para a leitura. Daí que quanto mais o leitor trouxer para um livro, mais esse livro lhe dirá.
A língua portuguesa, recheada de verdadeiros criadores no mundo literário, tem no arquipélago dos Açores e, particularmente na ilha Terceira, alguns dos seus mais empenhados escritores, esmerados cultivadores da palavra, cuja escrita, como, todas as obras literárias, coloca-nos, entre a verdade e o sentido, num espaço cosmológico específico onde, tal como conceituado escritor de língua inglesa, William Blake escreveu: devaneamos e choramos. E entre esses criadores, está um dos mais prolíferos e profícuos das ilhas dos Açores e da língua portuguesa: José Henrique do Álamo Oliveira.
Se acreditarmos que a poesia está muito mais perto da verdade do que a história, como nos disse Platão, a obra do poeta aqui antologiado é um indício translúcido dum percurso que começou na década de 1960 e onde estão desvelados alguns dos dilemas, dos sonhos, das vivências, mais genuínas, do povo destas ilhas. Desde A Minha Mão Aberta em 1968 que temos na obra deste escritor não só o percurso de um artista comprometido com o seu povo e a sua terra, porque e à semelhança do que escreveu algures o conceituado literato e naturalista do principio do século vinte nos Estados Unidos, Ralph Waldo Emmerson, “o povo e não a universidade deve ser a escola do escritor”, mas, temos, sobretudo, na ficção, no romance, no teatro, na poesia e nos ensaios deste grande senhor da escrita, o itinerário e as utopias dum arquipélago, dum povo, duma cultura. Todos os temas pertinentes à história do povo das ilhas açorianas, o que ficou, e o que, como ele próprio o disse “por necessidades da barriga” teve que sair destes pedaços de basalto, estão, intimamente, esculpidos na obra de Álamo Oliveira. É que ainda acredito, veementemente, no papel activo da literatura na vida dos povos e das sociedades, porque tal disse algures o escritor espanhol Camilo José Cela: a literatura também serve como denúncia dos tempos em que se vive.
Tudo isto porque disseram-me recentemente (a minha amiga Lélia Nunes) que José Henrique do Álamo Oliveira seria homenageado no Dia dos Açores. Durante doze anos homenageamo-lo aqui na Califórnia, celebrando em cada mês de Maio, com ou sem o Dia dos Açores, o Dia do Álamo, o seu aniversário. Mas esta é mesmo uma celebração especial!
Daí que digo, com toda a frontalidade que bem que nas nossas ilhas ainda se sabe aplaudir os artistas. Porque tal como escreveu Miguel Torga: “desejar aplausos em arte é mais uma necessidade do que uma vaidade. É sentir que se é necessário, que nos querem…a legitima oração de todo o artista, quer queiram, quer não, tem de ser esta: dai-nos, Senhor, um pouco de glória em vida.”
Se bem que Álamo Oliveira sempre se despejou de todo e qualquer momento de glória, acho que esta ocasião, esta homenagem da região Autónoma dos Açores é a “tal glória” que quem escreve, que quem cria, também precisa, em vida, para lhes dizermos que sempre há alguém que entende os momentos de solidão, que a angustia da escrita (da arte em geral) é necessária para uma sociedade que se quer mais livre e mais justa, e que nunca se está só no caminho das utopias.
Os meus parabéns a Álamo Oliveira! Ao poeta, ao artista total, e acima de tudo, ao amigo que eu, e toda a minha família, muito estimamos. E a quem lhe atribuiu esta homenagem, pois direi que – não fizeram mais do que a vossa obrigação.
Diniz Borges
Califórnia
14 de Maio de 2010
*do poema como soberbas são as manhãs
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Crédito imagens: Lélia Nunes